sábado, 17 de agosto de 2013

Os chimpanzés (e os orangotangos) também sabem nadar


Primeiro relato documentado de natação em dois grandes símios, mantidos em cativeiro, foi publicado num artigo científico, acompanhado de fotografias e vídeos. Cada vez mais, entre eles e nós, há menos diferenças
Já vimos os chimpanzés a fazer tantas coisas que nós próprios fazemos e que, até há algumas décadas, eram consideradas únicas da espécie humana: a utilizar ferramentas, como pedras que funcionam como martelos para partir nozes, paus para apanhar térmitas e folhas para beber água; a usar plantas como medicamentos; a fazer e a desfazer alianças políticas; a ajudarem-se uns aos outros; e até a matarem-se. O que nunca tinha sido documentado - em imagens - é que os chimpanzés, a espécie mais próxima de nós evolutivamente, também sabem nadar, como revelam agora os vídeos e as fotografias do chimpanzé Cooper. E ainda do orangotango Suryia.
Se os chimpanzés fazem tantas coisas como nós, não se sabia já que nadar era uma delas? "Muitos primatas sabem nadar instintivamente. Mas os chimpanzés, os gorilas, os orangotangos, os bonobos, os gibões e o ser humano não sabem nadar de forma instintiva. O ser humano é a única espécie deste grupo que é capaz de aprender a nadar", responde ao PÚBLICO Renato Bender, autor, juntamente com a sua mulher, Nicole Bender, do artigo com esta revelação, na revista American Journal of Physical Antropology.
"Existem alguns relatos na Internet e na imprensa popular de orangotangos ou gorilas nadando, mas estes relatos são imprecisos e não compatíveis com o conceito de "natação" que normalmente se usa. Este artigo é com certeza o primeiro caso documentado de natação em chimpanzés e orangotangos", acrescenta Renato Bender, cientista brasileiro a fazer a tese de doutoramento sobre evolução humana na Universidade de Witwatersrand, na África do Sul.
O medo que os grandes símios (onde se incluem chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos) sentem da água é geralmente aproveitado pelos jardins zoológicos, mantendo-os cercados com fossos cheios de água. Quando os grandes símios se aventuram até águas profundas, onde perdem o pé, geralmente afogam-se. "Há quem argumente que isto indica uma diferença definitiva entre humanos e grandes símios: as pessoas gostam da água e são capazes de aprender a nadar, enquanto os grandes símios preferem manter-se longe da água, em terra firme", sublinha um comunicado da Universidade de Witwatersrand.
Renato e Nicole Bender, da Universidade de Berna, na Suíça, revelam que esta distinção entre nós e eles não é absoluta. Souberam dos nossos dois primos nadadores por um colega que lhes enviou um link na Internet para um vídeo sobre Suryia, que vive no Instituto para as Espécies Raras e em Grande Perigo, um jardim zoológico privado em Myrtle Beach, na Carolina do Sul, Estados Unidos. Depois, pelos donos de Suryia, souberam da existência deCooper, na posse de Jill e Brad James, um casal de Malden, no Missouri, nos EUA.
Primeiro os investigadores foram observar Cooper, nascido em 2003 e que está com o casal desde os dois anos e meio. "Aos quatro anos, em brincadeiras com os donos, Cooper começou a submergir a cabeça, primeiro numa banheira e depois na parte mais baixa de uma piscina. Sem saberem que os grandes símios podem afogar-se, os donos deixavam Cooper brincar na parte pouco funda das piscina, onde continuava regularmente a submergir", relatam os cientistas no artigo.
Uma vida nas árvores
Durante as observações, os cientistas colocaram duas cordas de uma ponta à outra da piscina, incluindo a parte funda. "Cooper começou logo a explorar as cordas e, minutos após o primeiro contacto, começou a manifestar uma variedade de novas actividades aquáticas", lê-se ainda no artigo. Não tardou a mergulhar a dois metros de profundidade para ir buscar objectos no fundo da piscina e depois a nadar à superfície, percorrendo dois a três metros.
Quanto a Suryia, que cedo foi levado para actividades na piscina e até lhe punham um colete salva-vidas, já nadava debaixo de água antes das observações. Mas agora foi visto a apanhar objectos no fundo das piscina, a abrir os olhos debaixo de água e, mais recentemente, a nadar com a cabeça fora da água - e já é capaz de fazer 12 metros.
Ambos os animais nadam de bruços, movendo as mãos alternadamente para a frente e para trás. A sua braçada pode ser descrita com uma variação do modo de nadar "à cão", que é usado instintivamente por muitos mamíferos - "mas com mais componentes laterais no movimento", diz Renato Bender. E, enquanto Cooper movimenta as duas pernas ao mesmo tempo, Suryia fá-lo de forma alternada. "Eles nadam de forma completamente diferente da maioria dos mamíferos terrestres."
Qual é então a importância desta descoberta? "Pensava-se que a capacidade de aprender a nadar era uma diferença absoluta entre o ser humano e os nossos parentes próximos. Agora sabemos que esta diferença não é absoluta", frisa o investigador. "Além disso, sabemos agora definitivamente que o medo de entrar na água que normalmente se detecta em grandes símios não é instintivo, como se pensava."
A equipa apresenta uma explicação evolutiva para os hominídeos terem perdido a capacidade instintiva de nadar: provavelmente, essa perda está ligada a uma vida adaptada às árvores pelo último antepassado comum dos grandes símios, que andaria assim pouco no chão.
O que a equipa não consegue ainda explicar é a razão por que os seres humanos gostam mais de ir para a água do que as espécies suas primas: "Esperamos que nosso artigo inspire outros pesquisadores a colectarem dados sobre o uso de água nos grandes símios e nos seres humanos, um assunto quase totalmente negligenciado na Paleoantropologia."
Fonte: Público

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