Cerca de 90% do comércio internacional é transportado por via marítima. Dentro de um contentor, podemos encontrar de tudo, como computadores da Coreia do Sul, camisas do Bangladesh, ameijoas do Vietname, minérios do Chile, laranjas da vizinha Espanha. Não há limites para a imaginação no que concerne ao conteúdo de um dos milhares de contentores que cada navio transporta.
"A globalização, como conhecemos hoje, não teria sido possível sem o contentor", diz Marc Levinson, economista, historiador e autor de livros como "A Caixa", em que explica como a inovação possibilitou a expansão do comércio internacional, e "Fora da Caixa", em que reflecte sobre a história e o futuro da globalização.
O segmento contentorizado, sempre foi importante e relevante, mas passa de alguma forma despercebida. A mais recente relevância dada foi dada bem recentemente na crise da pandemia COVID-19, em que a cadeia de abastecimento andou num caos, e em que muitos dos produtos que consumimos regularmente ficaram de certa forma retidos num dos portos por onde circulam tais mercadorias. Actualmente, grande parte da actividade depende dos contentores.
A primeira viagem de contentores bem sucedida comercialmente sucedeu em Abril de 1956, a bordo de um navio militar convertido, o Ideal X, que transportou 58 contentores de Nova Jérsia ao Texas, onde 58 camiões aguardavam a sua chegada para transportar as mercadorias.
O arquitecto da travessia foi Malcom McLean, o criador visionário do moderno sistema de transporte marítimo comercial com contentores. Poderíamos ser chamado de "Senhor Contentor", reconhecendo que foi ele que inventou o sistema de logística, além da caixa de metal propriamente dita. E devido a isso tornou-se bilionário.
Antes de McLean — um empreendedor do ramo de camiões nascido em 1914 numa família de agricultores da Carolina do Norte — usar o contentor como a peça-chave do seu império comercial, onde o transporte marítimo era um pesadelo. Na década de 1950, a logística de carga e descarga de navios era por si só um desafio gigantesco.
Os estivadores encarregados da tarefa empilhavam, por exemplo, barris de azeitonas e caixas de sabão num palete de madeira. Depois era içada com uma corda grossa e depositada no porão do navio, onde outros estivadores acomodavam cada item para optimizar o espaço ao máximo e para que a carga não se movesse em alto mar.
Costumava haver guindastes e empilhadeiras disponíveis, mas no fim das contas muitas das mercadorias acabavam sendo colocadas manualmente. Era um trabalho muito mais perigoso do que a manufactura ou construção. Nos grandes portos, a cada poucas semanas, havia uma fatalidade. A carga e descarga de um navio levava o mesmo número de dias que a viagem marítima.
Precisava haver uma maneira melhor de fazer isso. E foi essa resposta que McLean encontrou. O empresário actuava no ramo de transporte terrestre de mercadorias. Começou com um único camião durante os duros anos da Grande Depressão e terminou com uma frota de 1,7 mil veículos quando vendeu a empresa em meados da década de 1950.
McLean estava convencido de que o uso de contentores era o futuro do comércio internacional — mas, para isso, era necessário toda uma cadeia logística que viabilizasse o modelo de negócio e convencer todos que participavam do antigo sistema de que deveriam transformá-lo.
Para começar, as empresas de transporte rodoviário, as companhias de navegação e os portos não conseguiam chegar a um acordo sobre um padrão comum para a fabricação dos contentores. Havia ainda os poderosos sindicatos dos portos, que resistiam à ideia porque a maioria dos estivadores perderia o emprego.
Por outro lado, as autoridades que regulamentavam as cargas pesadas nos Estados Unidos também preferiam o status quo. Diferentes normas estabeleciam quanto as companhias de navegação e empresas de camiões deveriam cobrar. Por que não permitir que cobrem o que o mercado dita? Ou permitir que se unam e ofereçam um serviço integrado?Não, a primeira resposta foi uma oposição directa às ideias de McLean.
Apesar das dificuldades, o empresário continuou trabalhando numa maneira de fabricar contentores que pudessem ajustar-se às necessidades de um navio e de um camião que fosse capaz de transportar a mesma caixa metálica cheia de produtos. Até que chegou o dia em que ele conseguiu seu grande cliente: o Exército dos Estados Unidos.
McLean aproveitou uma brecha jurídica para obter o controlo de uma companhia de navegação e uma empresa de transporte rodoviário. Depois, quando os estivadores entraram em greve, ele aproveitou o tempo de inactividade para adequar os navios antigos às especificações dos novos contentores. E encorajou a Autoridade Portuária de Nova Iorque a criar uma espécie de hub para conentores ao lado do cais da cidade.
Mas a jogada mais importante aconteceu em 1960, quando McLean vendeu a ideia do transporte com contentores para os militares. O exército viu na proposta de McLean a solução para seus problemas de enviar equipamento militar ao Vietname. O transporte com contentores é muito mais eficiente se fizer parte de um sistema de logística abrangente, de modo que as Forças Armadas dos EUA eram o cliente ideal. Além disso, McLean deu conta de que, ao voltar do Vietname, os seus navios poderiam trazer contentores cheios de carga útil do Japão, a economia que na altura mais estava crescendo no mundo. E assim começou a relação comercial transpacífica sólida.
Uma relação precipitada por uma guerra acabou tornando-se a base do que hoje é o sistema de comércio internacional. Actualmente, toda a gestão do transporte marítimo é feita a partir de computadores, que controlam cada um dos contentores que movimentam-se por meio de um sistema logístico global.
"É claro que nem todo mundo desfruta dos benefícios dessa revolução", disse Tim Harford, um dos autores da série da BBC "50 Things That Made the Modern Economy". Muitos portos em países mais pobres, como os da África Subsaariana, são parecidos aos de Nova Iorque da década de 1950.
No entanto, dadas estas excepções, as mercadorias agora podem ser transportadas de forma mais rápida e barata para um número cada vez maior de destinos.
"E isso acontece, em grande parte, graças ao contentor", finaliza Harford.
Sem comentários:
Enviar um comentário