Com
mais de um mês e meio de viagem cumpridos, o navio-escola Sagres está quase a
atracar no porto de Montevideu, no Uruguai, uma das muitas paragens na viagem
de 371 dias que percorre os caminhos da viagem
da circum-navegação de Fernão de Magalhães, há 500 anos. Numa época
em que já não se procura inaugurar rotas à volta do mundo, a viagem tem outras
novidades para oferecer: é a primeira vez que leva a bordo dois investigadores
que vão desenvolver projectos de monitorização de lixo marinho e de microplásticos
e recolher dados para se perceber melhor a interacção entre o espaço, a
atmosfera e os oceanos.
O
navio já atravessou o Atlântico e os trabalhos de recolha de dados para os dois
projectos de investigação já começaram, mas só na tarde desta sexta-feira é que
os ministros da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, e o ministro do Ambiente
e da Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes, assinaram os protocolos que
garantem um financiamento de 200 mil euros aos trabalhos de investigação
científica em curso a bordo da Sagres, através do Fundo Ambiental.
No
diário de bordo do navio, que vai sendo actualizado com regularidade na página
da internet da Sagres, percebe-se que o trabalho científico está em curso. Na
entrada de 15 de Janeiro assinalava-se que “foi lançado à água o Towfish, um
equipamento que vai ser rebocado durante vários períodos de navegação para
recolher dados do oceano para fins científicos”.
O
equipamento foi desenvolvido pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e
Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), no âmbito do projecto SAIL
(Space-Atmosphere-Ocean Interactions in the marine boundary Layer) e é uma
componente essencial para o que é considerado “um estudo pioneiro sobre a
electricidade atmosférica e as alterações climáticas”. A explicação é do
próprio INESC-TEC que,
aquando da divulgação do projecto, salientava que a última medição do campo
eléctrico atmosférico a bordo de um navio de investigação aconteceu há cem
anos, com o norte-americano Carnegie.
A
30 de Janeiro, o diário de bordo do navio dava conta da actividade do outro
projecto, relacionado com a presença de microplásticos no oceano, e que é
desenvolvido em parceria com o Instituto Hidrográfico. “Diariamente, são
bombeados cerca de mil litros de água salgada, os quais são primeiramente
filtrados num peneiro com 0,05 milímetros (mm) de malha e posteriormente passados
por um filtro de 0,001 mm, onde ficam armazenados. As amostras obtidas durante
a missão vão ser conservadas, a bordo, para posteriormente serem analisadas
pela divisão de química do Instituto Hidrográfico”, lê-se.
Viagem de circum-navegação
O
facto de a Sagres estar a realizar uma viagem de circum-navegação, com passagem
marcada por zonas de difícil acesso para os investigadores, irá permitir a
recolha de informação diversificada e de origens muito diferentes. Seja no que
diz respeito aos microplásticos – havendo a expectativa que os dados recolhidos
possam contribuir para, por exemplo, mapear zonas de acumulação destes
materiais –, seja no estudo das trocas de calor e humidade entre a superfície
do oceano e a atmosfera, e a sua influência no clima.
O Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC) salienta
que “a camada limite marinha é vital para o clima terrestre devido às trocas
importantes de calor e humidade que nela ocorrem, e também pela abundância de
nuvens baixas, que têm uma influência muito significativa no clima”. Contudo,
estas nuvens são “mal representadas nos modelos climáticos actuais”, em parte,
por causa da falta de observações nos locais em que podem ser encontradas,
“dada a dificuldade de efectuar medições atmosféricas sobre o oceano”. O
projecto SAIL (que tem uma duração de três anos, estendendo-se para além do
componente da Sagres) irá permitir a produção de “um conjunto de dados
interdisciplinar único para estudos climáticos e de interacção espaço-terra a
nível regional e global”, refere o MAAC.
Antes da
partida, numa entrevista à TSF, o comandante da Sagres, Maurício Camilo,
salientava que esta era a primeira vez que a embarcação iria ser utilizada “com
plataforma para a realização de experiências científicas”, precisando que o
objectivo central de todas elas era efectuar medições. “Medir o quê? Medir a
quantidade de microplásticos na água, medir parâmetros da água e da atmosfera,
tentar apanhar alguns peixes para perceber como estão em termos de saúde, se
têm ou não os tais microplásticos. Vamos tentar medir um pouco a saúde dos
oceanos”, disse.
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