Um homem de pouco mais de 50 anos, diagnosticado com um cancro da próstata (o quarto mais prevalente em termos mundiais) em estádio inicial enfrenta um dilema: tem de escolher entre ser operado ou fazer radioterapia, ambos os tratamentos com um risco grande de impotência e de incontinência urinária; ou optar apenas por vigiar activamente o tumor. Não há uma opção intermédia. Resignado, decide pela segunda hipótese mas, mesmo tendo quase como certo que aquele cancro (naquele momento) é indolente, não consegue dormir à noite. Acorda ansioso e a transpirar - um dilema comum a estes doentes. Pensa: "Tenho um cancro, quero tratá-lo."
Mas como? Uma terceira opção teria de ter mais benefícios do que efeitos secundários - o maior handicap de qualquer dos tratamentos convencionais. "É como quando temos um bife e só queremos cozinhar a parte do meio: qualquer tratamento à base de temperatura cozinha tudo, o bom e o mau", diz à Niso Sadik, gestor de uma empresa de biotecnologia chamada Steba Biotech, sediada no Luxemburgo mas cujo centro de investigação é em Israel.
A resposta à aparente equação impossível foi encontrada (surpreenda-se) na natureza e juntou duas coisas aparentemente diferentes: a fotossíntese e o cancro. "A génese da ideia veio do conhecimento do que a natureza faz para eliminar um órgão que funciona mal. Quando olhamos para um tumor também podemos vê-lo como um órgão anormal", explica o médico e bioquímico Avigdor Scherz, um dos autores do inovador tratamento.
O método é retirar o oxigénio
A chamada terapia fotodinâmica vascular dirigida (ou VTP, em inglês) - desenvolvida pelo Weizmann Institute of Science, em Israel, em conjunto com a empresa Steba Biotech - é a nova esperança no tratamento do cancro da próstata e foi inspirada numa bactéria do fundo do oceano que consegue transformar a pouca luz que recebe em energia.
O tratamento, ainda sob avaliação para uso humano pela Agência Europeia do Medicamento, e também pela Federal Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, consiste na injecção na circulação sanguínea de uma droga sensível à luz - quando activada através de um laser, destrói o tumor. Ao contrário dos tratamentos convencionais, o método não é "cozinhar". "É fechar os vasos sanguíneos que alimentam o tumor para deixar de haver oxigénio e provocar a morte daquela célula e, consequentemente, de todo o cancro", explica Niso Sadik.
A investigação começou ainda no início dos anos 90, com dois parceiros improváveis: um químico, Avigdor Scherz, e um botânico, Yoram Salomon. Os cientistas basearam-se em moléculas semelhantes à clorofila que, quando estimuladas pela luz, libertam um tipo de toxinas químicas, para criar um medicamento que destrói os vasos sanguíneos que alimentam o tumor.
E apenas esses. "Os vasos do tumor são mais susceptíveis a esses materiais tóxicos e quebram imediatamente, causando a morte do tumor ao fim de 16 a 24 horas", explica Avigdor Scherz. O especialista também garante que a droga não é tóxica para o resto do corpo porque, além de a zona iluminada estar limitada ao tumor (através da inserção de fibras ópticas, ver caixa), a substância é rapidamente eliminada da circulação sanguínea.
Foram testadas mais de 200 moléculas até chegar à final (a WST11) e só em 2003 é que a empresa de biotecnologia começou a desenvolver o software, o equipamento de laser e as fibras ópticas. Além do tratamento não ser invasivo (e de apenas uma sessão ser suficiente), é feito em ambulatório, ou seja, o doente pode deixar o hospital no mesmo dia. E não exclui os outros tratamentos: "Uma pessoa que faça esta terapia pode depois fazer radioterapia e cirurgia", diz o responsável da empresa de biotecnologia.
Um grande ensaio clínico feito com 413 doentes, em 47 hospitais de 10 países da Europa, e publicado em Dezembro de 2016 no The Lancet Oncology, teve resultados promissores: 49% dos pacientes entraram em remissão completa. E apenas 6% tiveram de retirar a próstata, em comparação com os 30% que não foram submetidos à terapia. Já os efeitos secundários - "semelhantes aos de uma biópsia normal", diz o responsável da Steba Biotech -, foram transitórios: duraram apenas três meses e, após dois anos, nenhum dos pacientes tinha efeitos colaterais.
Um parceiro invulgar
Apesar de o processo de aprovação para uso humano ainda não estar concluído, esta pioneira terapia poderá chegar a Portugal mais cedo, através de um intermediário pouco óbvio: a Santa Casa da Misericórdia de Azeitão. A ideia partiu do provedor desta Misericórdia, que é também médico no Hospital Nossa Senhora da Arrábida - o maior em Cuidados Paliativos e Continuados no Sul do País. "Recebemos muitos doentes oncológicos e, nesta área, o cancro da próstata é o mais prevalente nos homens. Um em cada oito morre com uma situação destas. Portanto estamos muito despertos a todos os avanços internacionais e nacionais", diz Jorge Maria Carvalho.
Não tendo unidade de oncologia, nem oncologistas, a ideia da Misericórdia é começar a oferecer tratamentos nesta área. Aliás, à semelhança do que fazem com os doentes com insuficiências cardíacas ou com Esclerose Lateral Amiotrófica ali internados, para os quais também não têm serviços de cardiologia e de neurologia. O objectivo é, em primeiro lugar, formar seis médicos urologistas e depois alargar a equipa. "Numa fase inicial, estamos a contactar hospitais públicos e privados de Lisboa para nos cederem blocos para fazermos os tratamentos", explica o provedor.
Há pouco investimento implicado, "aliás, foi por isso que não fomos buscar um robô [de cirurgia robótica]", brinca. O produto e o equipamento seriam fornecidos pelo fabricante gratuitamente, numa primeira fase. Explicação: a ideia seria conseguir um programa de acesso precoce, que se destina a medicamentos inovadores ainda fora do mercado, sem custos. Estima-se que cada tratamento custe à volta de 12 mil euros.
Foto: Sábado
Foto: Getty Images
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