sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Cianeto. Já não é preciso matar peixes para encontrar este veneno


A Universidade de Aveiro desenvolveu a primeira técnica que permite detectar a presença de cianeto em peixes, sem implicar a sua morte
O dicionário científico identifica-o como peixe-palhaço. Um filme de animação da Disney reforçou a sua reputação e até lhe colou a alcunha de "Nemo". Esta espécie, colorida a laranja e branco, é talvez o exemplo mais comum de peixe exótico que hoje mergulha em aquários domésticos ou privados. Se tiver um, não se admire caso o encontre morto, a boiar à tona da água. É provável que o culpado seja o cianeto, um químico usado por pescadores para os atordoar e assim facilitar a sua captura. Mas, graças à Universidade de Aveiro, a substância pode ter os dias contados - uma equipa de investigadores desenvolveu um método para detectar a presença deste veneno nos peixes. E sem implicar a sua morte.
E aqui está um ponto importante. Descobrir este químico venenoso - utilizado sobretudo em recifes de coral do Sudeste Asiático - no organismo dos peixes implicava recorrer a um teste que se resumia a dissecar o animal e retirar-lhe um pedaço de músculo ou amostra de sangue. Ou seja, a morte seria sempre inevitável. Agora já é possível poupar a vida aos peixes. A técnica desenvolvida pela Universidade de Aveiro centra-se antes na água "onde o peixe foi transportado ou mantido durante um período de cerca de 24 horas", começou por explicar Ricardo Calado.
O objectivo, explicou o coordenador do projecto, é detectar a presença na água de um ião chamado tiocianato, substância resultante da "degradação do cianeto através de uma enzima chamada rodanase, que actua sobretudo ao nível do fígado do peixe". Descodificando: o truque está no tal tiocianato. Esta substância é expulsa "na urina do peixe, que pode então provocar "níveis anormais" de tiocianato nas amostras de água. "O que constitui uma prova da exposição ao cianeto", prosseguiu Ricardo Calado. O desenvolvimento do método implicou um investimento a rondar os 60 mil euros, financiados, em conjunto, pelo Departamento de Biologia e pelo Centro de Estudos do Mar e do Ambiente, ambos da Universidade de Aveiro.

CIANETO 
Mas porquê tanto alarido à custa de uma substância? Numa palavra - veneno. Em linguagem científica, o cianeto é um sal inorgânico que bloqueia a passagem de oxigénio para o sangue caso entre em contacto com o organismo. "Sem qualquer dúvida, é altamente destrutivo e reconhecido como uma das maiores ameaças à conservação da fauna marinha e de recifes de coral", afirmou, convicto, Ricardo Calado.
O alarme é evidente no tom das palavras que o investigador da Universidade de Aveiro escolheu para continuar a retratar ao o problema. "Este tóxico" funciona "como anestésico para permitir mais facilmente a captura dos peixes", explicou. Mas "as concentrações usadas são tão elevadas que, invariavelmente, acabam por induzir mortalidade quer nas espécies à qual a pesca é dirigida, quer noutras sem valor comercial que se encontram na proximidade", concluiu.
Nos corais, de resto, o alarme parece soar cada vez mais alto. "O cianeto pode perturbar a simbiose que estes organismos têm com as suas microalgas e promover o branqueamento dos corais", lamentou o investigador. Actualmente calcula-se que "cerca de 20% dos recifes do mundo já foram perdidos" e "outros 25% estão em perigo iminente de seguir o mesmo caminho". Estima-se até que, por ano, "pelo menos 150 toneladas de cianeto" sejam "pulverizadas sobre os recifes de coral" localizados nas águas de países como as Filipinas, a Indonésia ou Taiwan. Quem o diz é Rui Ferreira, director-geral do SEA Life Porto, único aquário existente em Portugal de um dos maiores grupos do mundo no sector.

INDÚSTRIA COMO OBSTÁCULO? 
O parceiro da Universidade de Aveiro no projecto já não aceita qualquer peixe no qual tenha sido detectado cianeto. A intenção é clara - "acabar com essa prática de pesca destrutiva que ameaça gravemente a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas marinhos".
E a rejeição é apenas possível graças ao método da Universidade de Aveiro, que permitiu igualmente atirar a bola para o lado da indústria e dos fornecedores de peixe. Embora reconhecendo ser "impossível intervir em cada barco de pesca e centro de recolha" e "garantir" que os peixes "não sejam capturados com recurso a cianeto", Rui Ferreira acredita que "se está a dar o primeiro passo, muito importante, a partir do qual se vai poder aumentar a consciência de todos deste problema".
A esperança, prosseguiu, assenta em fazer com que este novo teste congeminado por investigadores portugueses "não fique no laboratório e possa ter uma utilidade prática". Em Julho, a SEA Life e a Universidade de Aveiro iniciaram uma parceria, que se prolongará durante o ano, que permitirá aos investigadores terem acesso a uma amostra "de todos os peixes que entram no grupo, a nível global" - a empresa dispõe de mais de 40 aquários, espalhados pela Europa e pelos EUA. A missão a "longo prazo" é "desenvolver um teste que possa ser utilizado nos países de origem das espécies marinhas". Logo, a estratégia passará por cativar a adesão dos fornecedores e dos empresas do sector.
Ricardo Calado, de resto, está optimista. "Estamos seguros de que as empresas verdadeiramente empenhadas na sustentabilidade e na preservação dos recifes de coral estão bastante receptivas." Caso contrário, "acabam também por ver o seu negócio afectado pela pesca com cianeto", já que "os peixes poderão morrer alguns dias após a sua venda, afectando negativamente a percepção dos compradores". Quanto a consequências para a saúde humana, o investigador assegurou que "até à data" os efeitos "associados à ingestão de peixe capturado com cianeto são ainda largamente desconhecidos". Já Rui Ferreira afirmou desconhecer os custos envolvidos no sector aquariófilo português.

Fonte: Ionline





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