sábado, 1 de abril de 2023

Navios, portos e as autoridades marítimas em Portugal!


Portugal é um dos 27 países membros do Paris MoU on Port State Control, em vigor desde 1 de julho de 1982. Neste Memorandum foram estabelecidas várias convenções de segurança pela IMO (International Maritime Organization) e ILO (International Labour Organization), de modo a estabelecer requisitos mínimos de segurança, de proteção do ambiente e de condições de vida e trabalho a bordo dos navios.

A responsabilidade destes requisitos são do armador, mas adicionalmente também do Estado da bandeira do navio. Infelizmente estas responsabilidade nem sempre são cumpridas o que faz destes navios uma ameaça ao nível da segurança para o próprio navio, para o meio ambiente e até para a própria tripulação.

Todos os anos são realizadas cerca de 17000 inspeções pelos técnicos da Paris Mou. O navio é selecionado para fiscalização através do seu histórico de risco o que pressupõe quanto maior for o risco maior será o número de fiscalizações a que o navio está sujeito. Os navios considerados de risco são inspecionados uma vez por ano, navios com elevado risco são inspecionados duas vezes por ano, navios de baixo risco são inspecionados uma vez de dois em dois anos e navios sem cadastro que pertençam a companhias e a Estados de bandeira credíveis são recompensados, tendo menos inspeções.

O perfil de risco é estabelecido através de vários parâmetros tais como o tipo, a idade, a bandeira e o armador. Outros parâmetros são se existem deficiências ou detenções nos últimos 3 anos afetando o perfil de risco do navio. Podem ser adicionadas outras inspeções caso o navio colida com outro, realize manobras menos seguras, reporte problemas com a carga ou se existe alguma queixa de más condições de vida e de trabalho a bordo.

Em Portugal, cabe à Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), organização que representa o nosso país no Paris MoU de Port State Control, que através dos seus Inspetores de Estado de Porto, inspecionam e fazem cumprir as obrigações da convenção nos portos nacionais aos navios estrangeiros.

Por outro lado, existe ainda outra entidade nos portos nacionais, o Capitão de Porto que é a autoridade marítima local. É um oficial superior da Marinha de Guerra Portuguesa e que por inerência de funções é também o Comandante Local da Policia Maritima, e que no âmbito dos seus dois cargos (entidade administrativa e entidade autuante) impõe o cumprimento da lei nos portos nacionais, regulamentando, supervisionando, vistoriando, fiscalizando e inspecionando organizações, as atividades, os navios, os equipamentos e as instalações portuárias, em conformidade com o disposto nos instrumentos legais relevantes da Organização Marítima Internacional (IMO), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da União Europeia (UE) vigentes na ordem jurídica interna.

Identificadas as Autoridades nacionais com responsabilidade nesta área, imaginemos que o navio "X", de bandeira estrangeira, propriedade de um armador "Y", entra num porto nacional com algumas avarias.

Este navio tem dois motores em que um deles está inoperacional, apresenta fugas no coletor de admissão, fugas no coletor de evacuação, nos turbos, está constantemente com arrastamento de óleo tendo de se purgar com frequência e a sua manutenção encontra-se em atraso com cerca de 2000 horas.

O segundo motor, tem fugas idênticas ao primeiro, foi-lhe detetada uma franca entrada de água através da bomba de refrigeração do espaço de máquinas, tendo sido tamponada, deixando-a limitada no seu funcionamento. Com a falta da bomba de refrigeração do espaço de máquinas, o circuito de emergência tem de estar sempre ON, através do circuito de incêndios limitando em muito a capacidade do navio para o combate a incêndios numa situação de emergência.

Para além dos dois motores, o navio possui três geradores de energia elétrica, estando o primeiro gerador INOP desde outubro de 2022 e o segundo quando entra em barramento entra em alarme havendo o risco de o navio ficar sem energia elétrica a bordo. Apresenta fugas de gases, fugas de óleo e a parte elétrica degradada. A manutenção deveria ter sido feita há mais de 4000 horas de funcionamento.

O terceiro gerador apresenta diversas fugas, tem uma capacidade máxima de 28 litros de óleo lubrificante e consome cerca de 18 litros de óleo lubrificante a cada 24 horas de funcionamento. Os lemes e as caixas redutoras apresentam fugas diversas, sendo necessária atenção constante aos níveis antes da larga e durante a navegação.

Existe uma entrada de água pelo compensador de gases de escape de um dos motores. Há também a acumulação de óleo nos porões, aumentando o risco de incendio comprometendo a segurança do pessoal, do material, do meio ambiente e da segurança da navegação.

O navio não possui um sistema de esgoto adequado para armazenar os resíduos oleosos a bordo, ficando estes acumulados nos porões, aumentando significativamente o risco de incendio. Apesar do navio possuir dois tanques de armazenamento de resíduos oleosos a bordo, os mesmos não são utilizados devido ao fato do navio estar limitado ao circuito de emergência, havendo apenas a possibilidade de esgotar todos os resíduos para o mar, não cumprindo a Convenção Marpol (Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios);

Perante o cenário com o navio "X", com o rol de deficiências identificadas, que não cumpre as Convenções Internacionais em termos de proteção do meio ambiente, em que o seu armador de forma negligente ou até dolosamente, mantem tanto os geradores como os motores sem a manutenção necessária durante tanto tempo, com várias fugas de óleo aumentando significativamente o risco de incendio a bordo, comprometendo a segurança do material, do meio ambiente e do pessoal, a pergunta que se impõe fazer às Autoridades Marítimas Nacionais, nomeadamente ao Capitão do Porto e Comandante Local da Policia Maritima bem como à DGRM é, como deverá atuar a Lei perante um navio com estas limitações num porto nacional?

Artigo de Aníbal Rosa - Associação-Socio Profissional da Polícia Maritima, originalmente publicado no DN.

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