De acordo com a celebrada “teoria do equilíbrio pontuado” de Stephen Gould, o progresso da humanidade ocorre de forma gradual até que surja um fator de destabilização que dê origem a um ciclo de mudança rápida e inesperada. No caso da logística portuária, registaram-se três ciclos de mudança radical nos últimos 65 anos, o último dos quais estamos a atravessar agora. Os dois primeiros têm a marca de um empresário americano notável: Malcom McLean.
Em 1956 o Sr McLean, um ex-camionista sem experiência no transporte marítimo, lançou o primeiro serviço de transporte de carga contentorizada, entre Newark e Houston nos EUA, utilizando um navio porta-contentores “Ideal X”, convertido de um petroleiro utilizado na Segunda Guerra Mundial. O argumento económico do “Ideal X” era imbatível: o custo de estiva era 36 vezes inferior ao da carga fracionada (US$ 0,16/ton contra US$ 5,83/ton em valores de 1956). Contudo, foi a guerra do Vietnam que veio demonstrar de forma inequívoca o mérito da contentorização, conduzindo à rápida substituição dos navios de carga geral fracionada por navios porta-contentores pelos principais operadores de linhas marítimas.
A segunda revolução do Sr. McLean iniciou-se em 1982 quando lançou o primeiro serviço à volta do mundo, utilizando 12 navios-mãe que circulavam o globo em 12 semanas no sentido Oeste-Leste, assim oferecendo um serviço semanal. Os navios-mãe escalavam um número reduzido de portos (“hubs”) onde a carga era transferida para navios mais pequenos numa operação de “transhipment”. Como se sabe, este modelo de negócio é hoje utilizado por todos os operadores globais, resultando numa redução drástica dos custos de transporte, que está na base do fenómeno da globalização. A contentorização veio alterar substancialmente as cadeias logísticas, com a localização dos “hubs” fora das grandes cidades. À medida que os portos se afastam dos centros de carga, o transporte multimodal assume importância acrescida, sendo que a combinação marítimo-ferroviária é a mais vantajosa por razões económicas e ambientais.
É fácil entender que estamos a atravessar um novo ciclo de mudança radical na logística portuária. O início poderá ser atribuído à Amazon quando, em 2016, decidiu assumir-se como operador marítimo no Pacífico, utilizando o estatuto de Non-Vessel Operating Common Carrier ou NVOCC. Utilizando este estatuto e o seu poder negocial, a Amazon passou a oferecer serviços de transporte em navios de terceiros, obtendo vantagens económicas com a integração das cadeias logísticas. A reação dos operadores marítimos não se fez esperar.
O mais rápido foi a Maersk, que em 2018 anunciou uma alteração radical do seu modelo de negócio, integrando a cadeia logística porta-a-porta, mesmo correndo o risco de antagonizar alguns dos seus clientes, particularmente os transitários. Desde então temos assistido a fortes investimentos dos operadores marítimos globais no mesmo sentido da integração das cadeias logísticas.
Por último, a instabilidade criada pela pandemia do COVID-19, agravada com uma guerra na Europa sem fim à vista, veio pôr em questão o modelo tradicional da logística “just-in-time”, e até mesmo a globalização da economia. O que virá a ser o novo “normal”?
Neste cenário de mudança, a aposta na ferrovia é cada vez mais importante.
Por: Eng. Jorge D'Almeida, Presidente da CPSI Sines - Adaptado da Newsletter Medway
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