quarta-feira, 26 de julho de 2017

Estratégia do governo para Atlântico: não é um mar de rosas


Pequim tem planos para recuperar a sua rota da seda, por terra e mar, e Portugal (e Sines) são particularmente importantes neste gigantesco plano de ter portos em todos mares estrategicamente relevantes.

A estratégia dos governos da República para o Atlântico é mais ou menos como aquele velho adágio de Alexandre O’Neill: há mar e mar, há ir e voltar. O assunto é convidativo e tentador para se fazer política. O problema é que entre as ideias de uns e de outros, que vêm e que vão, corremos o risco das oportunidades naufragarem pelo caminho.
Como aqui tenho escrito abundantemente, já não estamos na fase do powerpoint ou do diagnóstico. Estamos no tempo de fazer.
Li há dias uma entrevista de Ana Paula Vitorino onde se reflete sobre a estratégia do governo para o Atlântico. Fiquei interessado e preocupado em doses iguais.
Bem, a ministra do Mar aponta ao arranque, muito em breve, do Fundo Azul, um acelerador financeiro dasstartups tecnológicas nocluster do mar. Bem, sobe a fasquia do peso da economia do mar na formação do pib português – dos atuais 3.1% para 5%. Positivo, também, uma referência justa ao trabalho positivo do anterior governo (autor da Estratégia Nacional para o Mar no horizonte 2013-2020) afirma que, mesmo do período de crise, o cluster do mar foi resiliente e cresceu.
Esta foi a parte do interesse. A parte da preocupação veio logo a seguir. Continuo a não ver no governo uma vontade e visão estratégica para capturar o momento único que vivemos. Como já aqui escrevi, há três acontecimentos que podem reforçar a centralidade marítima do país se deles soubermos tirar proveito. Primeiro: a extensão da Plataforma Continental na ONU.
Caso as Nações Unidas reconheçam os objetivos nacionais, teremos no mar uma área equivalente à da India e do Paquistão juntos. Com tudo o que isso implica em termos de política externa e de defesa, de desenvolvimento científico e tecnológico, de progresso económico. Não há sinais que esta visão holística e multissectorial esteja a ser trabalhada pelo governo. Segundo: a criação do Mercado Europeu de Energia. O sul da Europa será o coração energético na produção de energias limpas, nomeadamente a energia solar e eólica. Ora um mercado comum pode fazer do país um dos pontos geoestratégicos mais importantes na rota das energias limpas para a Europa. Também não se conhece uma ideia do governo sobre o assunto. Terceiro: a afirmação da China como ator marítimo global. Pequim tem planos para recuperar a sua rota da seda, por terra e mar, e Portugal (e Sines) são particularmente importantes neste gigantesco plano de ter portos em todos mares estrategicamente relevantes.
Também no domínio da preocupação, tenho notado nas últimas intervenções dos membros do governo a intenção de centralizar tudo em Lisboa. Devo lembrar aos mais desatentos que Cascais tinha acordado com o governo anterior a localização, em Cascais, do grande Centro de Mar. Tinha até acordado o espaço para acolher tal empresa nacional: o Forte de Santo António – que a história popularizou como Forte Salazar. Com este governo o projeto não saiu de doca seca. Pior: o forte acabou por ficar nas mãos do Estado apenas e só para se continuar a degradar. Tenho esperança que ainda não seja tarde para recuperar o tempo perdido. Por três razões. Em primeiro lugar, porque se falamos de Mar o centro não pode ficar em Lisboa (que tem frente de rio mas não tem frente de mar). Há algum lugar na área metropolitana melhor do que o Forte de Santo António para ser a sede do Centro Nacional de Mar? Não creio. Em segundo lugar, porque Cascais tem uma tremenda história marítima. Foi a partir de Cascais que o Rei D. Carlos encetou as suas primeiras investigações e expedições oceanográficas. Ou seja, foi em Cascais que começou verdadeiramente a ciência oceanográfica. Em terceiro lugar, porque Cascais é dos municípios portugueses mais avançados na construção de uma estratégia para o Mar. Em 2001 a SAER, liderada pelo saudoso Professor Hernâni Lopes, entregou a Cascais a primeira versão de um estudo para um Centro de Mar. Em 2013 recebemos a Fundação Drager, um relevantíssimo player alemão que trouxe a Cascais a sua grande conferência sobre sustentabilidade do mar na qual participaram o príncipe Alberto do Mónaco ou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros trabalhista, David Miliband – que em entrevista ao ‘i’ considerou que Cascais estava a “sair-se melhor da crise porque é a zona turística mais rica de Portugal”. Em 2014 acolhemos o BioMarine, a maior convenção mundial de CEO’s e empresas ligadas à exploração de recursos marinhos. Para o ano cá estarão outra vez. Em 2015 assistimos ao lançamento da BlueBio Alliance, uma organização não-governamental que reúne toda a cadeia de valor dos bio recursos marinhos, empresas que estão ao serviço do progresso científico e da exportação dos produtos do mar.
E até uma publicação exclusivamente dedicada aos assuntos do mar, o Jornal da Economia do Mar, tem sede em Cascais.
Cascais já é um player relevante na produção de pensamento e na afirmação da economia do Mar. Porque teve estratégia e visão. Porque tem massa crítica instalada no território. E porque tem ambição, tradição e vocação. Por todas estas razões, o grande Centro Nacional para o Mar não pode ir para onde não há Oceano. Só pode mesmo ter lugar neste concelho atlântico.

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