segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O Mar uniu-as, fê-las crescer e agora já não há como (se)pará-las.


Começou por simples diversão, mas rapidamente se tornou numa paixão. Daquelas viciantes. Ao início eram poucas, mas com o tempo foram crescendo. A maioria são mães, donas de casa, todas com a adolescência já vivida – todos sabemos que não é bonito falar de idades no feminino... - mas ainda com um espírito bastante jovem. Pelo meio até há caras conhecidas. Juntam-se regularmente para surfar. Também para se divertirem, desfrutarem daquilo que o mar dá e, acima de tudo, para partilharem a paixão que as une. O mar uniu-as e a amizade será sempre salgada. Dizem elas.

Aqui só há espaço para tudo aquilo de melhor que o surf tem para nos oferecer. Não interessa o crowd, nem as prioridades, apenas a partilha. No passado domingo juntaram-se novamente. Desta vez não era apenas umas habitual sessão como acontece quase todas as manhãs na zona da Linha. Antes ainda de irem trabalhar. Desta vez era... digamos que um "encontro" mais especial. Uma reunião em maior número. Mas sempre com a partilha da paixão que as une presente. Fomos conhecer melhor as Salty Friends. Saber como tudo começou, o que pretendem desta união e que sets veem bem lá ao fundo. No futuro. E só não saltámos para dentro de água com elas porque nos falta o requisito principal para isso.

"As Salty Friends nasceram de um grupo de amigas, a maior parte mães, mulheres que trabalham, mas que partilham uma paixão comum pelo mar e que perceberam o quanto essa partilha pode ser profunda e enriquecedora", começa por dizer-nos Maria Valadares, uma das fundadoras do grupo e pioneira desta rotina, ela que também é conhecida no mundo do surf simplesmente por Pi – sim, é este mesmo nome que dá vida às originais capas de prancha "Souls of Pi". "Entretanto, surgiu a ideia de criar um grupo de Facebook e o grupo foi crescendo, de forma natural, através de convite a quem se ia juntando", explica.


Esta ideia é corroborada por Ruth ou Sharky Runner, nickname pelo qual é conhecida no mundo das ondas. "Este grupo nasceu de uma vontade de mulheres com carreiras e responsabilidades familiares, com caminhadas e vidas diferentes umas das outras, se juntarem para partilhar aquilo que as une: o mar, as ondas, o surf. O primeiro objectivo - que foi conseguido com sucesso - era dar a oportunidade a um grupo de "miúdas" de conhecerem outras que partilhem o mesmo interesse. Mulheres que têm quase todas vidas muito intensas, pois trabalham, são mães, têm famílias e outras responsabilidades ao seu cargo, que faz com que não seja fácil tirar tempo para esta prática do surf", refere.

"Há muitos anos que sentia necessidade e ansiedade por ter companhia feminina dentro de água".

A este grupo não falta nada. Nem mesmo uma madrinha. Teresa Abraços é uma presença assídua nestas sessões. A ex-campeã nacional é também um exemplo para as companheiras de remadas. "Há muitos anos que sentia necessidade e ansiedade por ter companhia feminina dentro de água. Sempre que encontro surfistas mais velhas meto conversa... até porque tenho curiosidade de saber como começaram. E foi assim que começou: meto conversa, conheço várias surfistas e combinamos surfar juntas. A ideia é essa. E também puxarmos umas pelas outras", frisa Teresa.

Para alguém que vem do mundo competitivo, como será este tipo de experiência? E quais as diferenças? "Às vezes sentimos saturação da competição. A minha vida foi centrada nisso. Valorizo imenso o tempo que passo com elas. Não têm nível avançado mas têm paixão e saem sempre com um sorriso da água. Essa parte é a que acho gratificante e que busco hoje em dia. Sempre senti muitos preconceitos antigamente, com a modalidade e em relação às mulheres. Por isso, gosto de me empenhar em quebrar estas barreiras", afirma Teresa Abraços.

Exigências

No corrupio do dia-a-dia acaba por ser normal que nem sempre passemos no mar o tempo de que gostaríamos. Então imaginem-se mulheres, mães e donas de casa. Nada disso... aqui não há desculpas. Mesmo que as exigências sejam altas, há sempre forma de contorná-las. "Nada é fácil para a maioria. Ter de levar miúdos à escola, fazer comida, trabalho, tratar da casa, entre outras coisas, não deixa muita margem de manobra para fazer umas ondas. Contudo, a vontade é muita e tenta-se gerir da melhor forma, fazendo os possíveis para não afectar a rotina da família e a vida profissional. É também uma maneira de mostrar e fazer compreender a quem as rodeia que elas merecem e precisam destes momentos, que, por sua vez, trazem mais força e energia ao seu dia e sobretudo à sua vida", reforça Sharky Runner.


"É difícil dar uma ideia geral de como tantas mulheres, com tantas actividades diferentes, ritmos de vida e rotinas distintas o fazem. Regra geral, o que acontece é entrarmos bem cedinho pela manhã e depois, sempre que podemos, cada uma com o seu ritmo. Prevalece aqui uma vontade imensa, que acaba por determinar a forma como cada uma gere o seu dia", garante Pi, ela que é ainda instrutora de Actividade. Actividade que o grupo também aliou ao surf no recente encontro.

E de onde vem tanta inspiração? "Eu acho que uma das principais vantagens deste grupo é que, para além das inspirações que podem ser exteriores, nos inspiramos umas às outras, através da cumplicidade que vamos ganhando. Também por nos identificarmos em muitas das dificuldades que surgem do facto de sermos mulheres mais velhas e com responsabilidades comuns. Claro que ter a Teresa Abraços entre nós, vê-la surfar e falar sobre a sua paixão, na boa disposição que a caracteriza, também representa sempre uma inspiração", assevera Pi. "Não posso deixar de mencionar que sou fã da "Slater", como chamo à minha amiga Teresa Abraços. Como pessoa e amiga é uma inspiração. Como surfista... fico horas a vê-la no mar e a sonhar que sou eu ali", diz Sharky, em tom sorridente.

Apenas o começo


O encontro realizado juntou mais de duas dezenas de Salty Friends. Segundo as próprias foi "um sucesso" e é mais do que certo que foi apenas o primeiro de muitos. "Não restou qualquer dúvida após o encontro, que este seria o primeiro de muitos. Embora não esteja agendado ainda nada em concreto... A não ser uma surftrip urgente - ideia à qual todas aderiram rapidamente", desvenda Pi. Já Sharky acrescenta que "o feedback do evento superou as expectativas". "Foi muito gratificante ver a energia contagiante que se gerou ali naquela partilha e convívio, que terminou de forma descontraída à beira mar, a beber um chá e a planear futuros eventos. Sempre com uma grande vontade de estarmos juntas outra vez. Estou certa que muitos outros eventos virão. E até com formatos diferentes. Parar é que não! Jamais", assegura.

A paixão e o vício pelo mar é tanto que "parar" é uma palavra que, logicamente, não vem no dicionário delas. "Jamais me passa pela cabeça alguma vez deixar. Contudo, ainda tenho uma caminhada longa a percorrer: ir mais para o outside e comprar um capacete", afirma Ruth. A mesma ideia é compartilhada por Pi: "Por mim vai ser até às pernas não conseguirem aguentar".

Num desporto maioritariamente masculino e jovem, elas são um verdadeiro exemplo. Um exemplo de alegria contagiante, força de vontade e de amor pelo mar. São também uma pequena amostra daquilo que deveria ser a perfeição dos nossos lineups, mostrando-nos que vale a pena sonhar com a harmonia. Se te encontrares por aí com um numeroso grupo de mulheres surfistas não te assustes. Elas sabem bem o que fazem. Amigas, mães, com larga experiência de vida, com os seus trabalhos... e com tempo para serem Surfistas. Sim, assim mesmo. Com S maiúsculo.

Fonte: Surf Portugal
Fotos: Pedro Quadros e Sharky Runner


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