quinta-feira, 19 de junho de 2025

A “Frota Fantasma” que contorna sanções e ameaça os oceanos.


Nos bastidores do comércio marítimo global, uma frota silenciosa, envelhecida e perigosa continua a crescer. Conhecida como “frota fantasma” ou “shadow fleet”, esta rede de navios petroleiros opera fora das normas e da legalidade, permitindo que países sob sanções como a Rússia, a Venezuela e o Irão continuem a exportar petróleo, burlando os mecanismos de controlo internacionais.

O fenómeno intensificou-se desde 2022, após a invasão russa da Ucrânia, quando o Ocidente impôs limites ao preço do petróleo russo e sancionou empresas envolvidas na sua exportação. A resposta não foi o recuo, mas sim a reorganização. A Rússia, tal como a Venezuela, passou a utilizar embarcações antigas, muitas vezes com mais de 20 anos, para continuar a enviar petróleo para países dispostos a ignorar ou contornar as restrições — entre eles a China, a Índia e alguns estados africanos.

Estes navios operam recorrendo a tácticas sofisticadas de camuflagem. Muitos desligam os seus sistemas de localização (AIS), trocam frequentemente de bandeira — optando por estados com pouca fiscalização como as Ilhas Marshall, Gabão ou Libéria —, alteram os nomes dos navios e realizam transbordos de petróleo em alto-mar, tornando mais difícil rastrear a origem da carga. Além disso, recorrem a estruturas empresariais opacas para ocultar os verdadeiros proprietários das embarcações, muitas vezes sediados em paraísos fiscais.

Estima-se que actualmente esta frota paralela seja composta por mais de 850 navios — cerca de 9% a 15% da frota mundial de petroleiros —, um número que continua a crescer a um ritmo de cerca de dez embarcações por mês. Com embarcações desactualizadas e muitas vezes em más condições técnicas, os riscos não se limitam à evasão económica: há também graves implicações ambientais e de segurança.

Os navios da frota fantasma apresentam uma maior probabilidade de sofrer avarias mecânicas, incêndios ou derrames, colocando em risco os ecossistemas marinhos por onde circulam. Os transbordos em mar aberto são particularmente perigosos, já que ocorrem sem supervisão, sem garantias de segurança, e frequentemente em zonas sensíveis como o Golfo Pérsico ou o Mar Báltico. Quando ocorrem acidentes, é comum que não exista seguro válido ou responsáveis identificáveis, deixando os países costeiros a suportar os custos da limpeza e mitigação ambiental.

Perante esta realidade, várias entidades internacionais têm vindo a reagir. Os Estados Unidos, a União Europeia e o Reino Unido impuseram sanções adicionais a empresas e navios ligados a esta frota clandestina. A Organização Marítima Internacional (IMO) também aprovou medidas para reforçar a monitorização e registo das embarcações. No entanto, estas ações revelam-se insuficientes face à agilidade e criatividade com que esta frota contorna as regras.

Organizações de segurança, como a NATO, têm acompanhado com crescente preocupação a movimentação desta frota, sobretudo no Báltico, onde se levantam suspeitas de actividades híbridas, incluindo possíveis acções de sabotagem a infraestruturas submarinas. A falta de transparência e rastreabilidade alimenta também riscos geopolíticos e comerciais de largo alcance.

Apesar dos esforços de vigilância e sanção, a existência desta frota levanta uma questão mais profunda: até que ponto é possível manter a ordem e a legalidade no comércio global quando players estatais estão dispostos a operar nas margens da lei? Para lidar com este problema, será necessário um esforço coordenado entre governos, instituições internacionais, seguradoras, operadores portuários e plataformas de rastreamento. Transparência no registo de navios, fiscalização mais rigorosa das bandeiras de conveniência e o uso de tecnologias avançadas para detectar transações suspeitas são medidas urgentes.

A frota fantasma é um sintoma da fragilidade do sistema marítimo global face a desafios geopolíticos e económicos. O seu crescimento não é apenas uma forma de evasão económica, mas um risco concreto para os oceanos, para a segurança marítima e para a ordem internacional.

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