terça-feira, 11 de outubro de 2016

Pepinos-do-Mar da Ria Formosa quase na extinção.


A Investigadora Mercedes Gonzalez-Wanguemert do Centro do Ciências do Mar da Universidade do Algarve ainda tem dificuldade em acreditar nos últimos dados: em menos de dois anos, desapareceram três quartos da população de pepinos-do–mar em vários pontos da Ria Formosa, sobretudo a espécieHolothuria arguinensis. Na Armona, onde a densidade era 120 indivíduos por hectare, restam agora menos de 30.
Na Barrinha de Faro, não só diminuiu a população, como o que resta são animais pequenos, pois todos os reprodutores de maior porte foram alvos de uma razia.
«Há quem diga que, se calhar, estão a mudar as condições naturais e, por isso, não há tanta densidade. Não é verdade. Estamos constantemente a monitorizar a Ria Formosa e não vimos grandes alterações a nível ambiental que justifiquem o desaparecimento rápido dos pepinos- -do-mar. O que estamos a ver é cada vez mais gente a apanhá-los. Isso sim, está a mudar», aponta a cientista ao «barlavento». Desde 2014 que Mercedes Gonzalez-Wanguemert, alerta para um vazio legal.
«Há um regulamento de 2010 que inclui três espécies de holotúrias, mas nenhuma é a que está na Ria Formosa. Duas estão a grande profundidade, só são capturadas no arrasto. E a terceira tem baixo valor comercial». Sendo que para esta zona húmida, «não temos legislação específica.
O regulamento do Parque Natural permite que sejam apanhados até dois quilos por pessoa por dia», exceto nas zonas da Armona e Tavira, onde, por ironia, «se verifica a maior perda de biomassa».
Mercedes lembra que destes animais «depende a qualidade da água e dos sedimentos, pois estão sempre a limpar os fundos. Os juvenis estão na cadeia alimentar de muitas espécies de peixes. E servem também de alimento às estrelas do mar».
Redes ilegais pagam bem Mercedes Gonzalez-Wanguemert não tem dúvidas que existe uma rede de recetadores. «A maior parte do processamento ilegal que conhecemos é em Olhão. Há uma pequena máfia oriental que paga entre 1 a 1,50 euros por cada pepino-do-mar. Numa maré, é fácil apanhar até 80 indivíduos», diz.
«Falo com os mariscadores e eles perguntam-me: sabes quanto tempo tenho de trabalhar nas ostras, ou apanhar lingueirão, para ganhar 80 euros em menos de uma hora?». «Só em 2016, a Polícia Marítima apreendeu mais de 600 quilos. Ora estima-se que as autoridades só conseguem apanhar entre cinco a 10 por cento do total das pescas ilegais.
Neste momento está a haver uma razia e já não é apenas na Ria Formosa. Estamos a ver isto acontecer em Albufeira, Sagres, Olhos de Água», avisa a cientista. O lucro é fácil e rápido, sobretudo para os receptores.
«Hoje na China, vendem-se pepinos-do-mar secos a 300/400 euros por quilo. Os de maior qualidade chegam aos 5000 dólares por quilo, em seco», estima. «Um indivíduo adulto pesa, em fresco, no mínimo, 500 gramas. Mesmo com uma perda de 80 a 90 por cento do peso em água no processo de secagem, ainda dá uma margem de lucro confortável».
Contudo, Mercedes desconfia que não é apenas a apanha manual que está a fazer os estragos. «As mudanças de densidade são tão brutais ao longo da Ria Formosa que têm de ser consequência de uma pesca mais industrial» com recurso a mergulhadores.
Herança genética em risco 

«Não quero ser pessimista, mas se continuamos assim e se nada for feito, caminhamos para a extinção na Ria Formosa. Estas espécies são denso dependentes para a reprodução. Precisam de altas densidades de reprodutores para terem êxito reprodutivo e gerar juvenis», explica esta investigadora contratada pelo programa IFCT da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
«Fizemos estudos e a diversidade genética da Holothuria arguinensis na Ria Formosa é brutal» diz, quando comparada com outras populações. «Isto significa que têm uma capacidade muito grande nos genes para serem melhores, pesarem mais e crescerem mais rápido», com grande potencial para a aquacultura. O Centro do Ramalhete, neste momento, é um refúgio e uma salvaguarda deste património genético autóctone. Ali vivem em cativeiro vários reprodutores nativos da Ria Formosa para investigação científica.
«O ICNF cedeu-nos algumas parcelas no exterior, pois a partir de certa fase do desenvolvimento, os pepinos–do-mar precisam de espaço para crescerem. O problema é que não podemos pôr indivíduos fora do Centro, porque serão roubados», lamenta.
Repovoar é possível Mercedes garante que vai levar o problema a Lisboa à Secretaria de Estado das Pescas. «Vamos apresentar todos os dados actuais e explicar que a situação é muito grave. Achamos que de tem ser feita uma avaliação oficial do stocks da Holothuria arguinensis» ao longo de toda a Ria, e de todo o Algarve», defende.
Com a biotecnologia ao nível da reprodução que tem vindo a ser desenvolvida no Centro do Ramalhete desde 2014, pela professora Mercedes Wangüemert e o seu estudante de doutoramento Jorge Domínguez, seria possível fazer um restocking na natureza. «A capacidade de criar indivíduos é infinita. Há fêmeas que têm até 9 milhões de ovos. E todos são fecundados», explica.
Seria uma acção a longo prazo, dadas as taxas actuais de crescimento em cativeiro. «A aquacultura não é uma solução para a sobrepesca. Mas pode ser uma medida para reverter a situação e repor as populações naturais da Ria Formosa», considera. Para esta cientista, «é preciso legislar. A Ria tem recursos incríveis e devia estar mais protegida».
Potencial económico Em 2014 a equipa de Mercedes Gonzalez-Wanguemert conseguiu com sucesso a reprodução induzida de holotúrias no CCMAR da Universidade do Algarve. Neste momento, conta com financiamento da FCT para o projeto CUMARSUR. E também é apoiada por fundos privados da empresa espanhola «Sayanes Mar», com interesses no mercado chinês e japonês (para onde exporta polvo e peixe) e aquaculturas de camarão, no Panamá.
«Estamos a optimizar todo o processo de produção de Holothuria arguinensis numa perspectiva comercial, para a produção empresarial», a instalar numa zona de marisma parecida à Ria Formosa. O progresso é tal que os juvenis nascidos em Setembro de 2015 no Centro do Ramalhete já estão maiores que os pioneiros nascidos em 2014. Está também em estudo a reprodução induzida e manutenção de juvenis de outra espécie de interesse comercial e presente na Ria, Holothuria mammata.
«Temos dietas para melhorar o seu crescimento, mas são naturais, com algas e ervas marinhas. E estudamos tratamentos naturais das suas doenças de forma a não introduzir antibióticos no meio ambiente» frequente nas aquaculturas de peixe. «Estamos ainda a colaborar com um consórcio que quer fazer a cultura de holotúrias em Angola. Hoje, quase todo o investimento está a ser canalizado para a água doce, mas há fundos internacionais disponíveis para projectos com espécies do mar», explica. A cientista refere ainda a «colaboração com várias empresas portuguesas para a avaliação do uso de holotúrias em co-cultura com ostras e algas». Em termos financeiros «não tem nada a ver os custos de produção da aquacultura de peixe, é muito mais barato, e consegue-se ter uma maior rentabilidade maior».

Repovoar hoje cavalos marinhos na Ria seria 

«libertar animais para serem mortos»

Jorge Palma investiga os cavalos marinhos da Ria Formosa, as espécies Hippocampus hippocampus (focinho curto) e o H. guttulatus (focinho longo), desde 2007, no âmbito de um pós-doutoramento financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
«Na altura, começámos a tentar reproduzi-los em cativeiro. Havia algumas informações, mas nada de relevante em termos científicos». Uma tarefa que se mostrou complicada no início, pois foram necessários mais de dois anos para conseguir o primeiro caso de sobrevivência.

«Ultrapassadas as barreiras, temos tido gerações consecutivas», explicou o investigador ao «barlavento», no Centro do Ramalhete, uma infraestrutura da Universidade do Algarve gerida pelo Centro de Ciências do Mar do Algarve. Seguiu-se um trabalho de campo «em ambiente natural, para perceber o acentuado decréscimo das populações que se verificou, desde 2000. Identificámos algumas causas, que passam sempre pelo impacte humano, quer através da destruição de habitats, quer da pesca ilegal que agora ainda mais se verifica», apontou ao «barlavento».
«Os cavalos marinhos têm cauda preênsil e agarram-se a qualquer coisa. Apenas se movimentam para alimentação ou reprodução. Por isso, se o coberto vegetal for destruído, eles ficam sem abrigo».
«Temos tido relatos de pesca ilegal na Ria Formosa. Chegou ao nosso conhecimento a captura de milhares de indivíduos e isso tem um impacto brutal. Não temos dados concretos, mas em mergulhos recentes, temos dificuldade em encontrar cavalos marinhos, em locais onde ainda havia algumas populações estáveis», apontou.
«As pessoas matam, secam e envernizam os cavalos marinhos, porque acham que dá um bibelot muito engraçado. São peixes ósseos que secam com facilidade e não apodrecem. Hoje, tal como os pepinos-do-mar, os receptores não são nacionais e exportam-nos ilegalmente para outros mercados, sobretudo os asiáticos».
À semelhança do que acontece com as holotúrias, sendo já possível reproduzir os cavalos marinhos em laboratório, a solução para a Ria Formosa poderia ser o repovoamento? «Haveria ferramentas. Apesar de serem criados em cativeiro, os nossos animais são tratados com alimento natural e têm a capacidade de sobreviver lá fora. Mas isso só deve ser feito em condições controladas. Ou seja, quando os impactes negativos forem anulados. Neste momento, em que existe captura ilegal e destruição de habitats, repovoar seria apenas libertar animais para serem mortos», concluiu Jorge Palma.
Fonte: Barlavento

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