Finalmente, o tempo permitiu que helicóptero chinês começasse a evacuar os passageiros de um navio russo aprisionado na baía de Commonwealth há nove dias, durante uma expedição australiana.
O
navio
russo Akademik
Shokalski ficou
imobilizado no gelo, ao serviço de uma expedição australiana,
o Endurance,
da expedição de Ernest Shackleton, que pretendia atravessar a
Antárctida de uma ponta à outra passando pelo Pólo Sul, também
ficou preso por uma massa de gelo, em Janeiro de 1915. A grande
diferença é que os 52 passageiros do navio russo não tiveram de
esperar mais de um ano, como a equipa de Shackleton, até serem
resgatados. Esta quinta-feira foram todos levados por um helicóptero.
O
helicóptero, que seguia a bordo de um quebra-gelo chinês nas
redondezas, oDragão
de Neve,
transportou os passageiros – cientistas, jornalistas e turistas –
em cinco viagens, mais duas ainda para malas e equipamentos.
“O
helicóptero chinês chegou ao Shokalski.
Vamos sair, é 100% certo. Muito obrigado a todos”, desabafava no
Twitter um dos chefes da expedição, o australiano Chris Turney. “É
a primeira das viagens de helicóptero a levar-nos para casa.
Obrigado a todos”, dizia mais tarde. “Penso que toda a gente está
aliviada e entusiasmada por ir para o quebra-gelo australiano e
depois para casa”, disse ainda Chris Turney à agência de notícias
AP, via telefone-satélite.
Primeiro,
os passageiros foram sendo transportados para o Dragão
de Neve,
depois seguiram numa pequena embarcação até outro quebra-gelo, a
duas milhas náuticas de distância (cerca de 3600 metros), o
australiano Aurora
Australis.
O
navio russo estava a ser utilizado pela Expedição
Australo-Asiática para
comemorar a viagem à Antárctida realizada há um século pelo
explorador australiano Douglas Mawson, que chefiou a primeira grande
expedição da Austrália ao continente branco. Tinha partido a 28 de
Novembro da Nova Zelândia e já estava de regresso, quando as
condições meteorológicas pioraram repentinamente e os ventos
fortes empurraram um banco de gelo grosso para a baía da
Commonwealth, onde o navio se encontrava.
E ali
ficou retido, com 74 pessoas a bordo, incluindo a tripulação, a 100
milhas náuticas (180 quilómetros) da estação de investigação
francesa Dumont D'Urville, na Terra de Adélia, na Antárctida, e a
2500 quilómetros da cidade australiana de Hobart, na Tasmânia. Do
mar aberto estava só a duas a quatro milhas.
Nem
toda a tecnologia do mundo moderno foi mais forte do que a natureza,
nos primeiros dias. Várias tentativas de resgate, por mar e por ar,
acabaram canceladas devido às condições difíceis na Antárctida.
Os quebra-gelos na zona – o Dragão
de Neve,
o Aurora
Australis e L’Astrobe,
da França – nunca conseguiram aproximar-se do navio russo. O banco
de gelo era demasiado espesso, com três metros, para que
conseguissem avançar. Além disso, chuva e ventos fortes impediam o
helicóptero chinês de levantar voo.
Enquanto
a operação de resgate, coordenada pela Austrália, não era
possível, os passageiros foram medindo a temperatura e a salinidade
da água do mar através das fendas no gelo. Alguns trabalhos também
repetiram as experiências da expedição de Douglas Mawson, entre
1911 e 1914. “Viemos à Antárctida estudar como é que um dos
maiores icebergues do mundo – conhecido como B09B – alterou o
sistema, ao aprisionar gelo”, escreveu a equipa da expedição.
“Seguimos as pisadas de Sir Douglas Mawson na baía da Commonwealth
e agora somos nós que estamos aprisionados pelo gelo que rodeia o
nosso navio.”
A
bordo, o Ano Novo foi recebido em festa. Até cantaram uma canção
feita de propósito para 2014, dizendo que “se divertiram a fazer
ciência na Antárctida”, lamentando apenas “a maldita vergonha
de ainda estarmos presos aqui”. Chris Turney diz ter brindado a
chegada do Ano Novo com um copo de espumante australiano e que a
canção ajudou a manter o espírito positivo no navio.
A
bordo ainda permanecem os 22 tripulantes russos, que vão ficar à
espera que o gelo derreta para saírem dali com o Akademik
Shokalski.
Segundo o correspondente da BBC online na
expedição, a tripulação deverá ter de esperar várias semanas
até o banco de gelo libertar o navio.
Também
a tripulação de Shackleton teve de aguardar. Abandonou
o Endurance preso
no mar de Weddell – que dez meses depois, em Novembro de 1915,
seria esmagado pelo gelo, afundando-se – e assentou arraiais no
gelo flutuante. Até que em Abril 1916 Shackleton e a sua equipa
partiram em três pequenos barcos, conseguindo chegar à ilha do
Elefante – e daí, levando com ele cinco homens, foi procurar
ajuda, atravessando 1300 quilómetros de oceano até à Geórgia do
Sul, onde havia uma estação baleeira.
Final
feliz: a restante equipa da expedição de Shackleton foi resgatada
em Agosto de 1916, sem que ninguém morresse. Ontem, o resgate da
expedição de Chris Turney, que chegará em meados deste mês à
Tasmânia, mostrou como o espírito de cooperação entre países na
Antárctida, em caso de aflição, se sobrepõe às reivindicações
territoriais.
Fonte:
Público
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