domingo, 16 de junho de 2019

Ficou tetraplégico com um tiro mas hoje é campeão de surf adaptado


Nuno Vitorino passa grande parte do tempo na praia de Carcavelos. Não passa despercebido entre o pessoal do surf, seja pela simpatia e boa disposição, seja por ser o primeiro atleta de surf adaptado a aparecer por aquelas bandas.

Tem 42 anos mas ninguém diz. "É a água que conserva", atira. Passou os últimos 20 anos numa cadeira de rodas devido a um acidente com uma arma.
"Eu disse para o meu amigo: «queres dar um tiro, já que nunca deste um tiro, só para ouvires o barulho?». Ele não sabia que a arma estava carregada e disparou e acertou-me no pescoço", recorda.
A bala acertou-lhe na cervical e, aos 18 anos, ficou tetraplégico. "Quando sofri o acidente, disse ao meu amigo que o acidente não ia ser um casamento para o resto da vida. Obviamente os traumas psicológicos estão cá."
Nuno Vitorino teve dois anos difíceis de reabilitação. Foi também um tempo de luto que se transformou em esperança, já que a lesão - uma tetraplegia incompleta - permitiu-lhe recuperar algum movimento de braços no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão.
"Eu tive uma médica muito importante no meu percurso. Foi a doutora Maria da Paz que me disse: «Nuno, esquece. Nunca mais vais voltar a andar na vida, mas otimiza o bom que tens que são os teus braços. A partir daquele momento, em 1995, por muito que me custasse ouvir isto - e custou-me - eu percebi que ela tinha razão e comecei a trabalhar os meus braços».
Da natação ao surf
Antes de se dedicar ao surf, Nuno foi atleta paralímpico de natação, uma modalidade que sempre fez parte do seu dia-a-dia. "De facto, ser um atleta não é fácil."
Nuno queixa-se da falta de apoios, mas admite que o mais importante é a paixão pelo desporto. "A paixão está cá. Um atleta não pode ser atleta pela questão financeira. Um atleta tem que ser atleta pela paixão. Por isso é que Portugal é tão vencedor nos paralímpicos e no desporto adaptado. Todos nós temos muita paixão pelo que fazemos. E isso leva-nos a ganhar medalhas. A diferença não está no treino, nunca esteve no treino. A diferença está em querer mais e eu sou um atleta que tem sempre fome, tenho sempre fome de ganhar".
Ganhou muitas medalhas durante oito anos até perder o entusiasmo pela natação de competição. "Isto custa muito. Dói. Levantar às cinco da manhã para ir treinar, voltar à noite para o treino. Eu treinava quatro quilómetros por dia. Tenho nos meus ombros mais de 30 mil quilómetros. É muito."
Com o fim da carreira nas piscinas, sentiu o chamamento do mar. "Um dia que estava nesta praia de Carcavelos e comecei a sentir um grande incómodo na minha barriga ao ver os outros a surfar."
Nuno Vitorino queria competir mas, desta vez, encontrou uma modalidade que ainda não estava preparada para receber atletas tetraplégicos. "Não havia nada disto no mundo. A partir daí e até hoje, nós nunca mais paramos. Eu fui sempre surfar. Fundei uma associação que é Associação Portuguesa de Surf Adaptado, em que colocamos, de Norte a Sul do país, outras pessoas com patologias dentro de água. O desporto agora é democrático. O surf é democrático. Dá para todos."
Em Viana do Castelo para ser o melhor
A Federação Portuguesa de Surf abriu as portas para os atletas com deficiência há quase cinco anos. O presidente, João Jardim Aranha, explica que a chegada de Nuno marcou o início do surf adaptado na federação. "O Nuno foi alguém que se apresentou desde o início como muito interessado. Já treinava, já mostrava um trabalho físico regular e um trabalho de treino regular. Por outro lado, é um atleta que vem dos paralímpicos de natação. É uma pessoa com uma história no desporto."
A federação tem cerca de 900 atletas, seis deles fazem parte da modalidade de surf adaptado. João Jardim Aranha admite que é pouco. "Não tem havido uma adesão como nós gostaríamos."

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