segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Tiago Pires: “Portugal pode ser uma potência mundial do surf”

Tiago Pires, também conhecido por “Saca”, passou a adolescência em Alvalade mas aproveitava todos os fins de semana e algum tempo livre durante a semana para surfar na Ericeira com o irmão, Ricardo, e um amigo. Foi assim que começou uma carreira a competir ao mais alto nível, onde esteve ao lado da elite mundial desta modalidade, como o australiano Mick Fanning, o norte-americano Kelly Slater ou o brasileiro Adriano de Souza.


Numa entrevista ao Jornal Económico, Tiago Pires recorda os primeiros campeonatos pelo país, as disputas com Slater e como esta modalidade lhe trouxe a independência financeira. O ano passado anunciou o adeus ao circuito mundial e não se coíbe de fazer elogios a Frederico Morais, surfista que fez história no passado mês de Julho ao tornar-se no primeiro português a classificar-se para uma final nesta competição.
A sua carreira confunde-se com a evolução do surf em Portugal. Quando é que o miúdo lisboeta, hoje com 37 anos, trocou o Bairro de Alvalade pela Ericeira?

Cresci em Lisboa, mas a Ericeira, sobretudo a praia de São Lourenço, sempre foi o meu destino de férias. E assim começou a paixão por andar na praia e no mar. Na adolescência comecei a ficar viciado no surf e praticava sempre que encontrasse algum tempo livre. Ainda na escola comecei a receber patrocínios para surfar. Aos 18 anos assumi o compromisso de parar de estudar (gostava muito de línguas, português e geografia) e ser profissional desta modalidade. Mudei-me de armas e bagagens para a Ericeira até regressar novamente a Lisboa há mais de dois anos.

Quanto lhe pagaram no primeiro contrato?
Recebi o meu primeiro ordenado aos 16 anos: 150 contos por parte da Quiksilver. Entre os 16 e os 18 anos já tinha dinheiro para viver sozinho e sempre investi muito na minha carreira.
E a reação da família?

Foi complicada. O surf era um desporto mais pequeno do que é hoje em dia e quase não se via casos de sucesso. Os melhores portugueses deviam receber salários à volta dos mil euros no máximo. Mas desde cedo comecei a dar provas de que poderia ter uma carreira internacional. O meu irmão tem mais quatro anos do que eu e começou a competir antes de mim. Hoje em dia é pintor, artista e ajuda-me nos negócios. Ele nunca se deu bem nesta modalidade e minha mãe (escriturária, o pai cenografista) tinha algum medo por mim. No entanto, apareceu uma pessoa muito importante na minha vida, o José Seabra. Ele já tinha trabalhado em departamentos de marketing de marcas estrangeiros, viajou pelos EUA e viu em mim um potencial surfista internacional. Começámos a trabalhar e, como em tudo na vida, é preciso correr riscos. Foi uma aposta ganha. Mais tarde passei para outra marca, a Billabong, um contrato que me permitiu fazer um circuito mundial.


E como era o surf em Portugal?

Aos 17 anos comecei a lutar pelo maior título português profissional. Eram cinco, seis ou sete provas espalhadas pelo país inteiro, de Norte a Sul, com os melhores surfistas portugueses. Iamos de carro, uma coisa muito familiar. Depois passei do circuito de qualificação para a elite do surf mundial. É a grande arena, com inúmeras provas espalhadas pelo mundo inteiro.

Nesta elite do surf mundial, onde se encontra também o Frederico Morais…

Fiz sete temporadas no WCT. Andei várias vezes na casa dos 20 melhores do mundo. Derrotei pelo menos três vezes o Kelly Slatter, que era considerado intocável. Lembro-me que ficou muito chateado quando lhe ganhei em Bali. Deu-me os parabéns de raspão. O Frederico tem o futuro em aberto.

As discussões entre surfistas são frequentes?

Tive três ou quatro em 18 anos de carreira. Dentro de água sempre fui um felino a competir, mas sempre joguei no limite do razoável.

O que faz um surfista quando perde as pranchas?

Já me aconteceu. Fui fazer um campeonato na Costa do Sauípe, no Brasil, e tinha um voo direto. Acabei por chegar lá sem pranchas e tive de pedir emprestadas aos meus colegas. Às vezes chegamos a viajar com 10 pranchas e um saco de roupa.


É fácil um surfista deslumbrar-se?

É fácil acontecer. Mas isso é o que separa um surfista atleta de outro que não pensa como atleta. Se nos deixamos cair nessa teia de aranha as coisas podem descambar. Os surfistas vivem de contratos de imagem e nenhuma se quer associar a um surfista que é conhecido pelas festas. Acho que o surf se tem profissionalizado muito nos últimos cinco anos e o grau de exigência é tão grande que os surfistas não se podem dar a esse tipo de coisas.

Quanto é que um surfista de topo pode ganhar por mês?

Hoje em dia a tabela inflacionou muito. Temos surfistas que estão na ordem dos quatro milhões de euros por ano. E temos surfistas que estão na ordem dos 200 mil euros anuais. Isto dentro da elite. Eu sempre fui um privilegiado que abri as portas do desporto neste país e tive um grau de atenção bastante elevado. Num surfista de topo os contratos são pagos pela casa mãe das marcas. Em 2010 assinei um contrato com a Quiksilver de 10 anos. É uma coisa única na Europa. O meu contrato também se dividiu nos momentos de competição e de pós competição.

Ganhou muito dinheiro ao longo da carreira?

Não me considero uma pessoa rica. Tenho dinheiro para viver confortavelmente. Fiz bons investimentos em imobiliário, tenho casas na Ericeira e em Lisboa. Sempre fui bastante conservador. Tenho um estilo de vida que me permite desfrutar da família.


O ano passado anunciou o adeus ao circuito mundial. Ainda participa em pequenos campeonatos?

Agora faço alguns campeonato pontuais, denominados ‘special events’. Não fazem parte de nenhum circuito. Não tenho de me preparar como um louco. Tenho a minha escola de surf, na Ericeira, professores e o meu irmão ajuda-me a gerir o negócio. Vejo também o meu futuro um pouco como organizador de eventos de surf com as camadas mais jovens.

Como avalia o feito do Garrett McNamara na Nazaré?

É um milagre. Um havaiano ter aceite um convite de portugueses, nem sabia bem para onde ia, e que acreditou naquele projeto. Várias pessoas foram lá antes dele e não aceitaram porque não quiseram pôr em risco a própria vida. Cheguei a fazer surf na Nazaré, nas ondas grandes, e percebi que é um sítio muito complicado. Nunca tive essa vontade de perseguir a maior onda do mundo.

Gostava que o seu filho fosse surfista?

Gostava. Aprendemos a respeitar a Natureza, a respeitar o mar. Dá-nos muita paz e equilíbrio à vida. Mas ele vai escolher o que quiser. Não serei aquele pai que vai pressioná-lo a fazer alguma coisa.

Os estudos apontam para que a economia do surf represente 400 milhões de euros. Este número pode crescer?

Quando falamos em 400 milhões já estamos a incluir o turismo de surf. Em termos de grandes campeonatos estamos bem servidos e isso prova que estamos muito à frente. Melhorando as infraestruturas que temos, acredito que possamos duplicar os 400 milhões. Temos muito talento. O Governo pode também apostar mais no surf e acho que há um trabalho que deve ser feito: a maneira como agarramos nos jovens e os lançamos para o futuro. Se o Governo começar a apoiar mais, Portugal pode ser uma potência mundial e o surf um desporto que pode produzir campeões do mundo.



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