sábado, 25 de fevereiro de 2017

Aitor Francesena: "É um desafio fazer surf sendo cego"


No horizonte deste pioneiro espanhol do surf esteve desde muito novo a perda total de visão devido a um glaucoma congénito. Tratou, então, de viver a vida ao máximo. Como faz agora, quatro anos depois de, como diz, "o ecrã ter ficado todo preto"...
Há quatro anos, Aitor Francesena, natural de Zarautz, no País Basco espanhol, deparou-se com o abismo que temera toda a vida: um acidente de surf levou-lhe a visão do olho esquerdo, o que restava desde que aos 14 um glaucoma levara o direito. Duas horas depois do acidente, porém, ao chegar ao hospital, já tinha desenhado uma nova vida na sua mente. E, como até então... não pára!
Recorda como perdeu a visão?
Tenho um glaucoma congénito. Fiz várias operações, mas não correram bem. Sabia que poderia ficar cego. Aos 14 anos, perdi o olho direito, fiquei só com o esquerdo. Fui aguentando, fiz várias operações com as técnicas mais avançadas; aos 26, tive muitos problemas no olho esquerdo e fiz mais operações, até que aos 35 ou 36 o glaucoma ficou resolvido mas, como ao tratar uma coisa se prejudica outra, perdi a córnea. Fiz um primeiro transplante que correu mal, esperei dois anos por outro, mas também não ficou bem. Há quatro anos, mesmo sabendo que deveria ter cuidado e não surfar, apanhei com uma onda que me fez perder definitivamente a visão.
Como consegue surfar?
Fiz surf toda a minha vida e o mar dá muitas pistas, sei em que direção estou, se para norte, sul, este ou oeste. Mas tive de começar a surfar quase desde o princípio.
E como escolhe a onda que vai apanhar?
Quando estou sozinho, pelo som sei onde está o princípio e o fim de uma onda. Deixo passar uma e então remo com toda a força para apanhar a que virá a seguir; depois, ponho-me de pé na prancha e conforme a sensação que me dá a onda, quanto ao tamanho, por exemplo, faço manobras.
Passa por baixo das ondas para atravessar a rebentação?
Pelo som, sei a distância a que está a espuma e faço um "patinho". Nunca falho! A princípio os meus amigos diziam-me "3... 2... 1...", mas agora faço sozinho.
Passou a apoiar-se na audição...
Sim. Se cair uma moeda no chão, sei a distância e o sítio exato em que caiu. A audição tornou-se tão nítida, tão apurada... Nesta vida, quando um sentido falha, os outros trabalham muito mais. Quando passeio pela praia, por exemplo, o som diz-me o tamanho das ondas. Sempre ouvi dizer que os cegos usavam muito os ouvidos, mas custava-me acreditar que fosse assim. Além disso, desenvolve-se outro sentido de orientação, passei a estar sempre superatento.
Não recorre ao cão-guia?
Em abril vai fazer um ano que o tenho, mas não ando sempre com ele. Sou um pouco teimoso: aprendi a usar a bengala, como qualquer cego, mas não a uso. No máximo, uso o cão dez minutos por dia. Prefiro ir agarrado a alguém ou até de skate agarrado a uma bicicleta... Sei que o cão não sofre quando o levo, porque é esse o seu trabalho - e nunca falha -, mas prefiro deixá-lo solto. E na minha terra sei sempre onde estou. Sou cego, mas tento não levar uma vida de cego!
Como era a sua vida antes de perder a visão?Era muito ativo, como agora. Atualmente, se não estiver a surfar, estou a caminhar no monte. Estou a dar a volta à Península Ibérica a pé, por etapas. Tenho dez anos para o fazer [risos]... Antes, tinha uma oficina de surf, fazia pranchas e reparava-as; depois abri a primeira escola em Espanha, em Zarautz. Treinei muitos miúdos, os melhores espanhóis, Kepa Acero, Aritz Aranburu - que me tornou o primeiro treinador espanhol a pôr um atleta no WCT -, Axi Muniain...E fui muitas vezes a Portugal em competições, lembro-me de praias como Supertubos, Ericeira, Guincho, Espinho... Já depois de ficar cego, escrevi dois livros sobre surf que foram um sucesso em Espanha.
Vê-se como um exemplo também para pessoas sem qualquer incapacidade?
Vou responder mesmo correndo o risco de soar arrogante: tento ser um exemplo! Sempre gostei de ajudar os outros, de transmitir o que sei. Faço surf porque gosto, porque sou fanático por surf e porque é um desafio fazer surf sendo cego. Mas também para mostrar que qualquer um pode fazê-lo. Quando se quer algo com muita vontade e se lhe dedica muitas horas, consegue-se tudo.
É um lutador...
Sim, muito. Fiquei cego aos 43 anos e penso que se tivesse sido aos 20 ter-me-ia suicidado. Teria sido muito duro. Aos 43, já tinha vivido muito, viajado muito, plantei árvores, tenho uma casa no monte e uma filha maravilhosa... Vivi cada momento ao máximo, tirando fotografias com a mente para as ter na cabeça e poder voltar a desfrutar de tudo.
"Frederico Morais tem feito um trabalho incrível e fico contente pelo que conseguiu"
Aitor Francesena conhece a atual coqueluche portuguesa do surf, Frederico Morais, que este ano integrará o principal circuito profissional mundial da modalidade. "Conheci-o em miúdo, porque participava nas mesmas competições que os meus atletas", lembrou o espanhol, que treinou muitos jovens e aproveitou para deixar algumas opiniões e elogios: "Quando se chega lá acima, por vezes o mais difícil é manter a cabeça no sítio. Mas parece-me que ele tem feito um trabalho incrível para chegar onde chegou e fico contente pelo que conseguiu. Temos de ver o que faz daqui para a frente."
Fonte: OJogo

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