quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O fundo do Mar é um espelho

Abzû é um mergulho no desconhecido, levando o jogador a explorar um mundo subaquático enquanto medita sobre o que deixou à tona.


No último videojogo analisado, Adrift, o convite era explorarmos o desconhecido acima de nós. Com Abzû o convite é o mesmo, mas desta vez descemos ao negrume das profundezas aquáticas, literalmente mergulhando no desconhecido, comungando com a natureza e deixando a água abraçar o nosso corpo, a nossa curiosidade do que por lá estará escondido.

Produzido pela Giant Squid, esta é uma obra relativamente curta, mas que preenche essa curta duração com incontáveis gatilhos para memórias futuras, aproximando quem joga de uma fauna carismática e orgânica: Abzû é a transformação do jogador num Jacques Cousteau de sofá, faltando apenas incluir a boina encarnada e o Calypso.

É fácil descrever o corpo de Abzû: controlamos uma protagonista que mergulha no desconhecido, sendo a nossa tarefa guiá-la por aquela enorme bacia azul, interagindo com os pontos de interesse pressionando apenas um botão, fazendo lembrar Ecco the Dolphin. Podemos progredir a nosso bel-prazer, à velocidade que nos for mais conveniente, com a obra a prestar-se a não interferir muito com a nossa viagem.

É o comungar com vários tipos de animais marinhos, descobrindo-os pelo caminho, avistando-os a nadar em cardume, tendo a possibilidade de surfar o subaquático agarrados às suas barbatanas, ou seja, Abzû parece querer que coloquemos em pausa a nossa condição terrestre, dando-nos momentaneamente a habilidade de respirar debaixo de água sem constrangimentos.

O resultado é uma obra com um grau elevado de imersão e, curiosamente, o desnovelar da identidade da nossa representação no jogo, o que dá um novo ponto de vista à ideia base da narrativa – não o que estamos a fazer, mas sim com quem o estamos a fazer. Não pensem, porém, que vão encontrar puzzles ou criaturas a tentar dificultar-vos a passagem: Abzû é na sua essência semelhante a títulos como Dear Esther e Journey, ou não fosse o seu director Matt Nava, que teve a função de director artístico na obra da thatgamecompany.


Onde Abzû se distancia de Adrift e se afirma como uma obra interessante é na presença orgânica. Ou seja, ambos colocam-nos a explorar o desconhecido, mas o título de hoje mune-se de emoção, distanciando-se do estéril. Percorrer este mundo abraçado a um espécimen de uma espécie diferente, contar com a ajuda de pequenos companheiros momentâneos para ajudar à progressão, parar a observar o torcer e retorcer de um turbilhão de peixes, dar-lhes liberdade, são tudo exemplos vários de como estamos perante uma obra que remexe a gaveta das emoções.

Há alguns trechos na recta final e alguns momentos de exploração em locais mais apertados do cenário onde o esquema de controlos não consegue dar totalmente conta do recado. É verdade que há várias opções que podem ser ajustadas, contudo é também verdade que os ângulos mostrados pela câmara nestes momentos não beneficiam a tranquilidade, obrigando o jogador a lutar com aquilo que não devia, ou seja, com a direcção dada à personagem.

Felizmente são soluços ocasionais que não deturpam a mensagem como um todo, especialmente se tivermos em consideração que a grande fatia de Abzû decorre em águas abertas, o que facilita a locomoção da personagem. Outros trechos bem conseguidos estão relacionados com as curtas viagens feitas ao sabor da corrente em que somos convidados a usar o sonar para convidar outras espécies para a viagem. São momentos curtos, mas amplamente eficazes.

Apesar de não haver indicações no ecrã para onde temos de nos deslocar para progredir na jornada, o design dos níveis é suficientemente inteligente para nunca nos deixar sem saber o que fazer. Há indícios visuais que subtilmente indicam o caminho a seguir, dando-nos um ligeiro empurrão na direcção certa quando decidirmos que já pensamos ter visto tudo o que havia para ver naquele talhão de água.

Sobre isto há apenas mais um pormenor a anotar: sem monstros nem gritos de terror, Abzû oferece alguns calafrios graças aos metros verticais que podemos mergulhar. Chegar ao fundo é, em alguns casos, sermos assaltados pela solidão e pela claustrofobia. É uma obra exímia em misturar esta amálgama de sentimentos, levando-nos a zarpar e a dirigirmo-nos a águas mais claras com aquela urgência de quem tem um monstro debaixo da cama.

É nos seus componentes técnicos que esta obra se afirma. Misturando vários tons de azul com verdes e amarelos, contrastando com o breu do parágrafo anterior, tudo isto salpicado pelas locomoções das criaturas marinhas: é assim que Abzû quer ficar na memória de todos que o jogarem. Não são apenas texturas bem definidas e efeitos inspirados, aqui tudo isso é manobrado pela batuta da direcção artística para assegurar que o tempo dado à descoberta é recompensado.

Tudo adornado com uma banda sonora que está presente de forma assertiva para dar embalo e sublinhado; tudo ao serviço de uma viagem que faz repousar a cabeça na almofada, levando-nos pela imaginação fora, quase como um retiro de tudo e de todos, uma confraternização connosco próprios através destes quadros em movimento.

É muito provável que não fique tudo visto quando se termina Abzû pela primeira vez, algo que não é negativo, pois estes cenários onde se navega dispensando de bom grado a bússola não prolongam a sua estadia numa segunda ou terceira visita, meditando nos locais indicados. No fundo, estamos perante um produto acabado para cada jogador construir emocionalmente sobre. Estamos tão longe de casa, submersos numa água que deixa de ser transparente com o reflexo que cada quiser ver.

Fonte: Público

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