No seguimento das conclusões do Grupo de Trabalho sobre as Infra-estruturas de Elevado Valor Acrescentado (GTIVA) ficou definido como uma das primeiras prioridades a construção de um novo terminal de águas profundas, de contentores, no porto de Lisboa. 

Após uma fase inicial em que era apontada a Trafaria como localização preferida, face a múltiplas objecções formuladas por vários quadrantes de opinião, os defensores de um novo terminal de contentores no porto de Lisboa parecem agora inclinar-se para uma solução com localização no Barreiro. 

Tecnicamente, esta solução vai obrigar não só a um elevado volume inicial de dragagens, com o correspondente investimento mas, também, a muito significativas dragagens de manutenção de base anual. Acresce que se o grau de contaminação dos materiais a remover for elevado, como se suspeita, estes custos poderão ser substancialmente acrescentados. Mas, a estes terão de se adicionar os custos que concernem às difíceis acessibilidades terrestres ao novo terminal, menos problemáticas que as da citada Trafaria, mas deixando no entanto muito a desejar em comparação com as actualmente existentes no porto de Setúbal.

Acerca deste cenário de localização, no Barreiro, o Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações (SETC) já admitiu publicamente que a resolução destas questões e respectivos custos serão da exclusiva responsabilidade do concessionário privado não aumentando a factura a pagar pelo Estado português. Tal significa efectivamente que esses custos vão recair nos clientes desse terminal, os armadores e estes não deixarão de os fazer repercutir nos exportadores e nos importadores nacionais, na produção e no consumo, ou seja, directamente na economia.

Não há dúvida de que sendo Lisboa um centro importador de elevado nível de consumo e ao mesmo tempo região industrial produtora que origina um importante volume de exportações, ela tem absoluta necessidade de um porto próprio, eficaz, que permita servir as empresas e a população da sua área de influência. Um tal porto permitiria também aumentar essa área de influência (hinterland) a algumas zonas fronteiriças de Espanha como já hoje se verifica com o terminal de Alcântara.

A construção de um terminal de contentores no Barreiro, deep sea construído de raiz e como recentemente divulgado com acesso marítimo a -14m (ZH), pouco diferente do oferecido pelo porto de Setúbal, para além das dificuldades técnicas e dos custos de manutenção acima mencionados, exigirá um investimento inicial realmente muito elevado (mais de 400 M€). 

Tal investimento só será rendibilizado pelos serviços prestados no âmbito da concessão de serviço público, a outorgar, pelo que muito dificilmente viabilizável, a custos internacionais competitivos de operação portuária, através da movimentação de contentores para o referido hinterland (incluindo o lado espanhol).

No entanto a rendibilidade do investimento seria obtida se essa nova infra-estrutura viesse a funcionar como terminal de baldeação ou transbordo (transhipment), à semelhança do porto de Sines com o qual iria concorrer directamente devendo, por isso, o privado exigir em simultâneo o encerramento de toda actividade portuária, de contentores, na margem Norte do Tejo. Com tudo o que económica e socialmente de negativo tal decisão representaria para a região de Lisboa de acordo com os estudos até ao momento efectuados.

A forma mais usual, ou talvez mesmo a única, de garantir o elevado volume de carga necessária para justificar um tão grande investimento é o futuro concessionário ser, ou estar intimamente ligado a uma linha de navegação como é o caso do armador MSC no terminal 21 do porto de Sines. 

Mas, um terminal de contentores detido, directa ou indirectamente por uma linha de navegação apresenta alguns relevantes inconvenientes que importa levar em conta. É que na ausência de outros terminais no porto, existe o risco efectivo de a linha que detiver a concessão procurar naturalmente beneficiar a sua rede (navios/serviços) prejudicando as outras linhas de navegação em preços e/ou condições de acesso ao terminal. Ver o caso do terminal 21 em Sines onde a eventuais novos investimentos é alegadamente exigida a contrapartida duma exclusividade. 

Prejudicando a concorrência que se pretendia ver aumentada. Vai-te lá ganho não me dês perca.

A acontecer uma repetição da solução “Sines”, no porto de Lisboa, tal poderia prejudicar directamente as empresas nacionais e a economia em geral pela prática de preços mais elevados que os que actualmente vigoram no porto. Além disso, algumas linhas/serviços tenderiam a abandonar Lisboa diminuindo assim a concorrência na oferta de soluções logísticas alternativas. 

Não devemos perder de vista que o custo da operação portuária dum contentor representa uma parcela muito pouco significativa do custo total do respectivo transporte marítimo (menos de 10%?) pelo que a competitividade das exportações apenas pode ser garantida, no longo prazo, se for assegurada uma efectiva concorrência entre as várias linhas de navegação.

Não tendo em devida ponderação o que foi acima exposto poder-se-ia estar, na realidade, a entregar o comércio exterior marítimo de Portugal nas mãos de decisores estrangeiros sendo desde já dado adquirido que um falaria “suíço” e outro, talvez, residente em Copenhaga. Ou será antes de uma nova corporação chinesa? 

O certo é que a competitividade da economia portuguesa, em termos dos custos dos fretes marítimos, virá sempre em lugar secundário face à rendibilização dos investimentos.

Na hipótese de se confirmar a anunciada retirada em 2020 dos terminais portuários da zona de S. Apolónia, com a desafectação do uso actual e a transferência da gestão daquela área para a Câmara Municipal de Lisboa, como há muito reclamado por aquela entidade, entendemos que se justifica uma mais aprofundada reflexão sobre a melhor articulação para o conjunto portuário Setúbal/Lisboa pelo que havemos de voltar a este assunto noutro artigo.

João Carlos Quaresma Dias 
Professor Coordenador c/Agregação do ISEL e Professor Associado Convidado c/Agregação no IST responsável pela Cadeira de Organização e Gestão Portuária