quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Carlos Burle: O Surfista do Momento ?


Carlos Burle. “Não surfar um mar histórico, quando a gente passa a vida se preparando, seria o quê? Masturbação?”
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Maya Gabeira, a surfista brasileira que na segunda-feira ficou inconsciente na praia do Norte, na Nazaré, garante que faria tudo de novo e se tivesse morrido ia em paz
A vida é mesmo assim. E, como Felipe Cesarano, um dos quatro surfistas de ondas grandes brasileiros na Nazaré, ontem disse a Carlos Burle, o que se passou foi simplesmente o seguinte: “Tu salvou uma vida e em recompensa tu pegou a onda da tua vida.” Passam o ano a treinar para se aguentarem à bronca em mar gigante, são pagos para isso e, continuando com as palavras do “Gordo”, o seu trabalho é igual ao de um polícia. “Ele tem de subir no morro e trocar tiro com os bandidos. Por isso ele não vai falar que não vai subir com medo de levar um tiro.”
Já Carlos Burle – que além de Cesarano, treina ainda Maya Gabeira e Pedro Scooby – sublinha a importância de “você se preparar, não negligenciar a situação, unir tudo o que for possível para minimizar os riscos”. “A gente não sabe quando vai dar [ondas grandes], mas passa o tempo inteiro pensando nisso, assistindo filmes e viajando o mundo todo para pegar um mar desses. E se você entra num mar desses e começa a ser muito cauteloso, você não surfa e não pega aquela experiência. E não é assim ‘ah, vou surfar e vou morrer’. Não, você tem uma grande chance de sobreviver”, explica o surfista que em 2011 entrou para o “Guinness Book” com a maior onda surfada (68 pés, cerca de 22 metros), em Mavericks, na Califórnia.
“Imagina que acontece o mar que aconteceu ontem, que foi um mar histórico, e você não surfa. Porquê você treinou e se preparou tanto? Não faz sentido. É uma masturbação? Você fica em casa pensando ‘poxa, eu quero que dê aquela onda de 100 pés’, treina, vai na academia, faz apneia, faz disso uma coisa enorme e, quando mar quebra, você trava.”
Esta é a atitude mental desta turma e foi com esse estado de espírito que Maya Gabeira decidiu entrar na praia do Norte na segunda-feira de manhã cedo. A sessão acabou mal, a carioca por pouco não apagou, mas, de tornozelo partido, afirma que a experiência “valeu a pena” e, se tivesse morrido, teria ido “em paz”, fazendo o que mais gosta. “As condições que a gente enfrentou ali ontem talvez sejam das mais difíceis do mundo. Não só a onda lá fora como o resto, porque aqui o perigo nunca acaba, ele se agrava às vezes, por causa das rochas, da areia e do quebra-coco [rebentação]”, explicou Gabeira, que ontem teve alta do hospital.

“O que correu mal foi que eu peguei uma onda grande e quebrei o tornozelo. Depois ainda tomei um caldo pesado mas vim bem à superfície, fiz bem a minha técnica de respiração, passou a segunda onda e, na terceira, fiquei muito tempo debaixo de água e quando subi não sabia onde estava. Foi aí que o meu colete de segurança explodiu e fiquei sem ele.” Com a “visão preta”, da “falta de oxigénio junto com a porrada”, ainda veio à tona para respirar novamente mas em seguida tudo “ficou branco” e não se lembra de mais nada. “Mesmo antes de apagar, apenas segui o instinto, de mão para cima, e a única outra coisa que fiz foi, quando o Burle passou por mim a gritar, peguei a corda do jet-ski. Também foi outro instinto, mais auditivo que visual, porque já não tinha visão nenhuma.”
Se nesse momento Carlos a tivesse perdido de vista talvez não estivessem todos juntos e alegres na conferência de imprensa que ontem deram na Nazaré. “Na altura em que eu passei por ela pela primeira vez, para ela se agarrar à prancha de resgate, apesar de estar com a mão para cima, estava em choque e não tinha força. Da segunda vi que ela realmente não tinha reacção. A gente já estava indo para cima das rochas, a maré já estava puxando a gente para dentro, essa reacção que ela teve de tentar agarrar a corda foi a última força dela. Foi um movimento de desespero para se manter viva e, quando vi ela de cabeça para baixo, já flutuando, sabia que ela estava inconsciente e que não podia ficar assim, sem respirar por muito tempo. Por isso tomei aquela decisão de abandonar o jet-ski, nem sei onde ele foi parar, e agarrar ela”, explica o mentor.
Maya, uma das poucas surfistas femininas de ondas grandes, tem 26 anos e nunca tinha surfado mar daquele tamanho. Com os treinos de apneia, já se adaptou a ficar quatro minutos sem respirar e disse conhecer exactamente todos os processos pelos quais passou. “Normalmente a gente está em Jaws ou em outros lugares que são muito mais disputados e, como sou normalmente a última da fila, acabo pegando as ondas menores. Mas, como era uma oportunidade única, estávamos só nós e o Garrett. A gente teve oportunidade de pegar as maiores ondas do dia. Foi uma experiência única. Foi a maior onda que já peguei por muitos e muitos pés. Por isso, valeu, faria de novo. Houve algumas coisas ali que deram errado mas que ao mesmo tempo deram certo no final e que acabaram salvando a minha vida.” “Foi um milagre?”, alguém lhe pergunta. “Foi muito treino, Deus, que sempre está com a gente, e não era a hora de eu ir”, responde ligeiramente ao lado. “E quer voltar à Nazaré?”, insistem, recordando o episódio. “Ano que vem.”
Outras das coisas que mais impressionou as pessoas foi como é que Burle, de 45 anos e com a sua pupila a caminho do hospital, ainda teve a frieza de voltar para o mar. “Ele é maluco”, responde de imediato Pedro, de 25 anos. “Eu gosto do que eu faço, treino a Maya, o Scooby e o Gordo há muito tempo e não era só eu e ela lá dentro. A situação que envolveu o resgate da Maya durou um tempo mas ela foi para a ambulância, já estava a ser assistida e eu tinha os dois dentro de água e tinha de voltar para saber se eles estavam bem. Afinal de contas somos uma família grande, é um mar interessante e confesso que também eu queria pegar uma onda. Dei sorte que, na minha hora, todo o mundo já tinha desistido, o mar estava um pouco diferente, tinha entrado um vento e peguei a onda mais lisa do dia, não tinha nenhuma espuma na frente.
Nisto Scooby (casado com a actriz brasileira Luana Piovani, 12 anos mais velha), conta que, um minuto antes de Burle apanhar a onda do dia, os dois se pegaram dentro de água. “É... ele usou uma técnica muito apavorada numa onda. É bem mais jovem e aí eu falei: ‘Pô, não vai perder a cabeça agora, isso é só um mar de 100 pés. Se você perder a cabeça, a gente vai perder a oportunidade de surfar esse mar gigante’”, recordou a voz da experiência. Sempre de sorriso na cara, Pedro, antes de Maya se magoar, tinha comentado com a colega: “Estou-me sentido no Caçadores de Emoções (filme “Point Break”, com surfistas criminosos). Ah não, o cara morre!” “Tem de ter senso de humor nessas horas”, justifica.
Quanto ao facto de a sua onda ter sido maior que a já surfada por Garrett McNamara (algo que dizem rondar os 30 metros), Carlos diz que neste momento não vale a pena “ficar especulando” (veredicto em Março). Também na Nazaré, o surfista californiano recusou-se na segunda-feira a surfar por razões de segurança. “Estava muito grande para mim. Não me senti seguro”, disse McNamara, que no entanto ficou dentro de água, apenas a dar apoio aos brasileiros. Apesar de afirmar que competição existe em qualquer desporto, Burle disse que criar neste momento “uma rivalidade” com Garrett seria uma coisa “muito desagradável” e por isso nunca afirmaram que tinham batido o seu recorde.
“Magrinho e fraquinho, mas difícil de morrer”, devido à sua resistência, Burle explica que gosta de se focar no treino cardiovascular. “Quem cansa logo não aguenta tomar com essas ondas na cabeça.” Voltando ao acidente que aconteceu com a sua “princesa”, Carlos começa: “Tendo em conta o preconceito relativo às mulheres no surf de ondas grandes...” “No mundo!”, interrompe Maya. “É, mas não vamos levantar a placa feminista aqui agora... mas existe esse preconceito, o nosso meio é muito machista, o ego é muito grande e ela, tal como eu, é antítese do herói, do surfista de ondas grandes – tem aquela figura do cara fortão e casca-grossa.”

A surfista carioca de 26 anos conta estar recuperada dentro de “um mês e meio, dois meses” e todos eles querem voltar à Nazaré porque ficaram fascinados com a variedade de ondas boas na costa portuguesa. E, seja aqui ou em qualquer outro lado do mundo, vão continuar a viver segundo o conselho de Charles Bukowski – “Encontra o que amas e deixa que isso te mate”.


Fonte: Ionline

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