sábado, 7 de junho de 2025

Portugal e o Mar: Mais um oportunidade perdida de um ministério estratégico.


Portugal perdeu uma oportunidade estratégica ao não criar ( novamente) um Ministério do Mar. Num momento em que a economia azul assume uma centralidade crescente nas agendas internacionais, a decisão do novo Governo de distribuir competências marítimas por diferentes pastas — com a Secretaria de Estado do Mar e das Pescas sob o Ministério da Agricultura e do Mar, e os portos ( novamente) subordinados ao Ministério das Infraestruturas e Habitação — traduz-se numa abordagem fragmentada, tecnocrática e sem visão integrada.

Portugal possui a terceira maior Zona Económica Exclusiva (ZEE) da União Europeia, com cerca de 1,7 milhões de km², o que representa mais de 18 vezes a área terrestre do país. É uma dimensão oceânica que impõe responsabilidades, mas também abre oportunidades únicas para o país liderar no espaço marítimo europeu e atlântico. No entanto, a ausência de um Ministério dedicado impede uma coordenação eficaz das políticas ligadas ao mar — desde as pescas à investigação, da conservação marinha à logística portuária, da energia offshore à formação profissional. A realidade é que o mar, em Portugal, continua a ser tratado como um conjunto de dossiers sectoriais e não como um ecossistema estratégico que cruza ambiente, economia, inovação e soberania.

O sector das pescas, por exemplo, representa um papel essencial em termos de coesão territorial e segurança alimentar, empregando directamente mais de 15 mil pessoas e com uma frota activa de cerca de 7.500 embarcações. É também um dos sectores mais sensíveis à gestão sustentável e aos impactos das alterações climáticas. Precisaria, por isso, de uma visão integrada com a ciência, a biodiversidade e as comunidades costeiras — o que dificilmente se alcança sob a alçada da visão acrual. Por outro lado, a economia portuária e logística marítima tem um peso cada vez maior na economia nacional. Em 2024, os portos comerciais portugueses movimentaram cerca de 88 milhões de toneladas de carga, com destaque para Sines, que se posiciona como um dos principais portos de contentores da Península Ibérica e um hub estratégico do tráfego transatlântico.

Separar os portos da restante política do mar ignora o seu papel como motores de desenvolvimento regional, nós de transição energética e âncoras de inovação (como centros de dados, interligações de cabos submarinos e clusters logísticos). No campo das energias renováveis oceânicas, Portugal tem vantagens competitivas claras. A costa atlântica oferece condições ideais para a produção de energia das ondas, eólica offshore e biomassa marinha. Projectos-piloto como o WindFloat Atlantic, ao largo de Viana do Castelo, colocaram Portugal entre os pioneiros na Europa. No entanto, sem uma estrutura governativa integrada, a articulação entre ambiente, licenciamento, investimento e planeamento espacial marítimo torna-se errática, atrasando a execução de projetos e afastando investidores.

Também a investigação científica e a inovação ligadas ao oceano — áreas onde Portugal tem centros de excelência como o Instituto Hidrográfico, o CIIMAR ou o MARE — continuam subvalorizadas em termos de financiamento e articulação estratégica. Um Ministério do Mar poderia reforçar a presença portuguesa em redes internacionais de I&D, fomentar a economia do conhecimento ligada ao oceano e promover a capacitação científica como factor de soberania.

A ausência de um Ministério do Mar traduz-se, ainda, numa menor capacidade de representação política junto das instâncias europeias e multilaterais, onde as negociações sobre recursos pesqueiros, biodiversidade marinha além da jurisdição nacional (BBNJ), fundos europeus marítimos e rotas comerciais exigem uma voz coordenada e forte. Dividir competências por vários ministérios é comprometer a coerência da posição portuguesa nesses fóruns.Por tudo isto, a não criação de um Ministério do Mar representa uma oportunidade estratégica desperdiçada. Significa abdicar de uma visão nacional para um ativo geográfico e económico singular. Significa continuar a falar do mar em discursos solenes, mas a esvaziá-lo em decisões estruturais.

E, acima de tudo, significa ficar aquém do que Portugal poderia — e deveria — ser no século XXI: uma potência marítima moderna, sustentável e inovadora. Esta última linha de raciocínio não é meramente utópica, pode e deve ser o nosso desígnio enquanto nação que vive, sente e respira o Mar desde sempre.

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