sábado, 25 de março de 2017

Cura para o cancro pode estar no fundo do Mar


Um homem de pouco mais de 50 anos, diagnosticado com um cancro da próstata (o quarto mais prevalente em termos mundiais) em estádio inicial enfrenta um dilema: tem de escolher entre ser operado ou fazer radioterapia, ambos os tratamentos com um risco grande de impotência e de incontinência urinária; ou optar apenas por vigiar activamente o tumor. Não há uma opção intermédia. Resignado, decide pela segunda hipótese mas, mesmo tendo quase como certo que aquele cancro (naquele momento) é indolente, não consegue dormir à noite. Acorda ansioso e a transpirar - um dilema comum a estes doentes. Pensa: "Tenho um cancro, quero tratá-lo." 

Mas como? Uma terceira opção teria de ter mais benefícios do que efeitos secundários - o maior handicap de qualquer dos tratamentos convencionais. "É como quando temos um bife e só queremos cozinhar a parte do meio: qualquer tratamento à base de temperatura cozinha tudo, o bom e o mau", diz à Niso Sadik, gestor de uma empresa de biotecnologia chamada Steba Biotech, sediada no Luxemburgo mas cujo centro de investigação é em Israel. 

A resposta à aparente equação impossível foi encontrada (surpreenda-se) na natureza e juntou duas coisas aparentemente diferentes: a fotossíntese e o cancro. "A génese da ideia veio do conhecimento do que a natureza faz para eliminar um órgão que funciona mal. Quando olhamos para um tumor também podemos vê-lo como um órgão anormal", explica o médico e bioquímico Avigdor Scherz, um dos autores do inovador tratamento. 


O método é retirar o oxigénio 
A chamada terapia fotodinâmica vascular dirigida (ou VTP, em inglês) - desenvolvida pelo Weizmann Institute of Science, em Israel, em conjunto com a empresa Steba Biotech - é a nova esperança no tratamento do cancro da próstata e foi inspirada numa bactéria do fundo do oceano que consegue transformar a pouca luz que recebe em energia. 

O tratamento, ainda sob avaliação para uso humano pela Agência Europeia do Medicamento, e também pela Federal Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, consiste na injecção na circulação sanguínea de uma droga sensível à luz - quando activada através de um laser, destrói o tumor. Ao contrário dos tratamentos convencionais, o método não é "cozinhar". "É fechar os vasos sanguíneos que alimentam o tumor para deixar de haver oxigénio e provocar a morte daquela célula e, consequentemente, de todo o cancro", explica Niso Sadik. 

A investigação começou ainda no início dos anos 90, com dois parceiros improváveis: um químico, Avigdor Scherz, e um botânico, Yoram Salomon. Os cientistas basearam-se em moléculas semelhantes à clorofila que, quando estimuladas pela luz, libertam um tipo de toxinas químicas, para criar um medicamento que destrói os vasos sanguíneos que alimentam o tumor. 

E apenas esses. "Os vasos do tumor são mais susceptíveis a esses materiais tóxicos e quebram imediatamente, causando a morte do tumor ao fim de 16 a 24 horas", explica Avigdor Scherz. O especialista também garante que a droga não é tóxica para o resto do corpo porque, além de a zona iluminada estar limitada ao tumor (através da inserção de fibras ópticas, ver caixa), a substância é rapidamente eliminada da circulação sanguínea. 

Foram testadas mais de 200 moléculas até chegar à final (a WST11) e só em 2003 é que a empresa de biotecnologia começou a desenvolver o software, o equipamento de laser e as fibras ópticas. Além do tratamento não ser invasivo (e de apenas uma sessão ser suficiente), é feito em ambulatório, ou seja, o doente pode deixar o hospital no mesmo dia. E não exclui os outros tratamentos: "Uma pessoa que faça esta terapia pode depois fazer radioterapia e cirurgia", diz o responsável da empresa de biotecnologia. 

Um grande ensaio clínico feito com 413 doentes, em 47 hospitais de 10 países da Europa, e publicado em Dezembro de 2016 no The Lancet Oncology, teve resultados promissores: 49% dos pacientes entraram em remissão completa. E apenas 6% tiveram de retirar a próstata, em comparação com os 30% que não foram submetidos à terapia. Já os efeitos secundários - "semelhantes aos de uma biópsia normal", diz o responsável da Steba Biotech -, foram transitórios: duraram apenas três meses e, após dois anos, nenhum dos pacientes tinha efeitos colaterais. 

Um parceiro invulgar 
Apesar de o processo de aprovação para uso humano ainda não estar concluído, esta pioneira terapia poderá chegar a Portugal mais cedo, através de um intermediário pouco óbvio: a Santa Casa da Misericórdia de Azeitão. A ideia partiu do provedor desta Misericórdia, que é também médico no Hospital Nossa Senhora da Arrábida - o maior em Cuidados Paliativos e Continuados no Sul do País. "Recebemos muitos doentes oncológicos e, nesta área, o cancro da próstata é o mais prevalente nos homens. Um em cada oito morre com uma situação destas. Portanto estamos muito despertos a todos os avanços internacionais e nacionais", diz Jorge Maria Carvalho. 

Não tendo unidade de oncologia, nem oncologistas, a ideia da Misericórdia é começar a oferecer tratamentos nesta área. Aliás, à semelhança do que fazem com os doentes com insuficiências cardíacas ou com Esclerose Lateral Amiotrófica ali internados, para os quais também não têm serviços de cardiologia e de neurologia. O objectivo é, em primeiro lugar, formar seis médicos urologistas e depois alargar a equipa. "Numa fase inicial, estamos a contactar hospitais públicos e privados de Lisboa para nos cederem blocos para fazermos os tratamentos", explica o provedor. 
Há pouco investimento implicado, "aliás, foi por isso que não fomos buscar um robô [de cirurgia robótica]", brinca. O produto e o equipamento seriam fornecidos pelo fabricante gratuitamente, numa primeira fase. Explicação: a ideia seria conseguir um programa de acesso precoce, que se destina a medicamentos inovadores ainda fora do mercado, sem custos. Estima-se que cada tratamento custe à volta de 12 mil euros.


Foto: Sábado
Foto: Getty Images

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